segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Eu já vi este filme

Parque Atlântico, Ponta Delgada, Jan'2013





















A exibição comercial de cinema em Ponta Delgada, e consequentemente na ilha de São Miguel, foi interrompida na passada 4ª feira. Para já não há dados que possam certificar que esta seja uma interrupção temporária ou de carácter permanente. O facto é que de momento ficamos sem Cinema.

A notícia havia sido veiculada, há já algum tempo, mas agora chegou a confirmação pela via mais dolorosa. O encerramento das salas. Acredito que haja uma alternativa para o espaço existente até porque se trata de um serviço imprescindível, parece-me, na actividade de lazer e animação do maior centro comercial de Ponta Delgada. Perante o coro de indignação perante o facto consumado, apetece-me perguntar: onde estavam os que agora reclamam o encerramento das salas de cinema?! A razão pela qual estas encerraram é simples: a contínua perda de espectadores ditou este desfecho. E a crise não justifica tudo.

Os hábitos de quem hoje vai (ou vê) cinema estão em profunda mutação. As salas de cinema dos Açores têm vindo a perder público há mais de uma década. Segundo dados do portal Pordata em 1994 o número médio de espectadores era de 95,4 por sessão, passados 7 anos, em 2011, esse número baixou para 34,4 e desde aí não parou de baixar para, em 2011, se fixar nos 23.

Nos últimos anos esta tem sido uma tendência por todo o país. Fecham mais salas do que aquelas que abrem. Números do Instituto do Cinema e do Audiovisual confirmam que o cinema em Portugal está sobretudo nos centros urbanos do litoral e cada vez mais em multiplexes.

Nos Açores há exibição de cinema em diversas ilhas (em São Miguel para além do circuito comercial existem cineclubes e outras associações que promovem exibições regulares). Mas apenas no Centro Cultural de Angra do Heroísmo é que existe a possibilidade da exibição em formato digital, o que reduz significativamente os custos de exploração e permite ter acesso a um maior número de filmes e aos grandes sucessos comerciais, nomeadamente, todos os que actualmente são filmados em 3D. Existem muitas salas equipadas com máquinas de 35mm (película) mas a sua utilização será cada vez mais residual, ficando muito limitada ao número de filmes disponíveis e com a agravante dos números de espectadores não serem aliciantes para os distribuidores, no que concerne a estreias ou mesmo a um rápido acesso aos títulos. Fazendo com que, muitas das vezes, alguns filmes sejam exibidos meses após a sua estreia, quando a sua disponibilização já está disponível noutras plataformas como o Cabo ou o DVD.

Mas este é um negócio como outro qualquer, quanto a isso não hajam dúvidas. A não ser que o garante da exibição em regiões como os Açores passe por ser Serviço Público. Mas será que o serviço, a programação e a dimensão das salas Castello-Lopes tinham (tiveram) em linha de conta a realidade insular?!

A diversidade da oferta cultural é cada vez mais difícil de manter. E isso preocupa-me. Contudo, não é menos verdade que a disponibilidade financeira das famílias não é a mesma e não há quem programe sem prever esse pequeno grande pormenor. A subida do IVA e do preço dos bilhetes de cinema são, também e em parte, responsáveis. No entanto, considero que o ‘objecto-filme’ passou a ser algo descartável, assim como a internet banalizou a forma como todos nós lidamos com esta expressão artística (tal como acontece com a música). O processo de encerramento das salas de cinema é, infelizmente, uma quase inevitabilidade. Para isso há que perceber que actualmente, por mais que não queiramos reconhecer, a maioria das pessoas consome cinema em casa. Parafraseando o Vitor Belanciano (jornalista do Y/Público): "Pessoalmente, tenho pena, gosto de boas salas e da experiência de ver filmes em público, mas não interessa o que eu penso, nem o que uma minoria sente. Para nós vão continuar a haver salas de cinema, embora menos. E vão continuar a ser germinadas outras formas de dar a ver cinema, como aconteceu no último ano com o filme de João Botelho, por exemplo, que circulou pelo país. Mas essas serão as excepções (que tenderão a multiplicar-se, espero eu) que confirmarão a hegemónica regra: cinema em casa".

O Cinema já não é o que era ou, pelo menos, já não é aquilo que nós queremos que ele fosse.

* Publicado na edição de 04/02/13 do AO
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