quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Uma opção política

O anúncio da decisão do Representante da República para os Açores de enviar o orçamento regional para fiscalização preventiva não constituiu uma surpresa. Para mim, não.

Independentemente daquilo que se possa decidir autonomamente, temos (teremos sempre?!) o crivo da aprovação (fiscalização) constitucional da República sobre as decisões políticas legitimamente assumidas na Assembleia Legislativa Regional dos Açores.

A guerrilha da República em torno da aprovação do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores já provou a forma de ser, pensar e estar da Presidência da República em torno das suas regiões autónomas, em particular, dos Açores. Sim, porquanto em relação ao muito que é dito e não é cumprido na ilha da Madeira o silêncio tem sido a palavra de ordem no Palácio de Belém. Apenas interrompido pelo sorriso de uma cagarra na viagem relâmpago (e de demonstração da soberania nacional) às Ilhas Selvagens.

Com isto não pretendo dizer que devemos confrontar ostensivamente a República, nem que devamos utilizar de forma leviana o estatuto que nos rege. Considero, contudo, que o actual inquilino do Palácio de Belém tem um ressentimento para com o devir autonómico, o qual ficou patente na já célebre comunicação ao país de 30 de Julho de 2008. Um momento inolvidável.

Os argumentos utilizados para justificar a promulgação do Orçamento de Estado (OE) para 2014 são válidos para o país mas não o são para os Açores. Existindo ou não dúvidas sobre algumas normas contidas no OE, o Presidente da República não teve dúvidas em promulgar o mesmo, com o objectivo de ver cumpridas as metas orçamentais para este ano e os objectivos com que o país se comprometeu perante os credores externos.

O Representante da República para os Açores não teve o mesmo entendimento quanto ao orçamento regional. No último dia útil de 2013 solicitou ao Tribunal Constitucional a fiscalização preventiva da constitucionalidade da remuneração complementar regional.

Convém relembrar que este diploma existe deste 2000, e sofreu alterações em 2001, 2002, 2010 e 2012, e apenas nesta última alteração é que a mesma suscitou dúvidas ao Representante da República sobre a sua conformidade com o princípio da unidade do Estado, com o princípio da solidariedade nacional e com o princípio da igualdade. Esta opção merece uma leitura atenta e dela devem ser retiradas ilações.

Mais: esta é a primeira vez que um Orçamento da Região é enviado para fiscalização preventiva da constitucionalidade. Um acto de “gravidade política extrema” nas palavras contundentes de Vasco Cordeiro, na declaração que proferiu na sua reacção à decisão do Representante da República.

Para o Presidente do Governo Regional esta opção configura “um julgamento da nossa Autonomia e daquilo que ela significa” para os açorianos. Este sentimento de desconfiança não é de agora e é curioso que o mesmo se manifeste de forma mais intensa num período em que são necessárias medidas excepcionais para conter as vicissitudes de um tempo particularmente difícil na vida de todos os portugueses, perante o qual os açorianos não estão à margem nem são excepção mas que, felizmente, por aqui, se podem socorrer de mecanismos que tentam minimizar os efeitos da atual crise económica.

Este é um caminho diferente do Governo da República, não é uma birra, nem é uma afronta - é uma opção política.


* Publicado na edição de 06/01/14 do AO
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