quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Melhores dias virão

Apesar do que nos disse o Primeiro-Ministro - que a economia "começou a dar a volta" e que "os melhores anos ainda estão para vir" - o próximo ano não vai ser nada fácil para a maioria dos portugueses, tal como 2013 não o foi.

Ao contrário dos ministros, dos seus gabinetes e dos partidários da austeridade e do "custe o que custar" a realidade que hoje temos é muito pior do que a que tínhamos antes do exercício deste governo. Não faz sentido apelidar de "milagre económico" os tímidos sinais de retoma que eventualmente possam existir. Sim, porque nem a economia cresce indefinidamente - como já vimos - nem a queda é eterna, como é óbvio. Como escreveu Henrique Monteiro, "o desemprego tem vindo a baixar em relação ao auge, mas está muito acima do que era. Além das considerações anteriores, há que contar com o efeito emigração. Na verdade, se todos os desempregados emigrassem, não haveria desemprego". Algo que muito provavelmente seria do agrado deste governo Passos/Portas. Os sinais são o que são, é certo, mas na sua maioria não decorrem da acção directa do governo, bem pelo contrário. Quanto se fala de exportações ignora-se que na sua maioria estamos a falar da vendas de combustíveis e lubrificantes. E se o saldo comercial é positivo não é preciso exportar muito mais para o conseguirmos. Bastará, para isso, importar muito menos. Uma contingência natural da crise, sendo que sem consumo também não há retoma económica. O que não deixa de ser, na sua essência, uma equação deveras complexa.

Compreendo a necessidade do discurso oficial de transmitir confiança para a economia, para os empresários e para os mercados. Contudo, confiança é coisa que os portugueses não sentem, antes pelo contrário, desconfiança é tudo o que sentem em relação ao governo Passos/Portas. Os sinais que perpassam são contraditórios em relação à acção governamental, mais preocupada em comunicar para fora do que olhar para dentro. Por vezes sinto que os portugueses são um empecilho na acção deste governo, estão a mais no quadro que foi desenhado neste suposto projecto de reforma do país em curso.

A contestação popular que decorre das dificuldades por que todos passamos pode atingir outro significado em 2014. Esta previsão é do Economist Intelligence Unit, um think tank independente do grupo da revista Economist que se dedica à pesquisa, previsão e análise económica e, que coloca Portugal no grupo dos países com “alto risco” de agitação social no próximo ano, quando há apenas cinco anos tinha uma classificação de “risco moderado”. Esta é uma tendência a que temos assistido um pouco por todo o mundo, onde as manifestações no Brasil atingiram talvez uma maior dimensão pela reacção em cadeia que geraram e pelo nível de violência a que assistimos. Mas de acordo com Laza Kekic, do Economist Intelligence Unit, ainda que os problemas económicos sejam sempre um pré-requisito para os protestos, não explicam toda a explosão da contestação. “A redução nos rendimentos e a alta taxa de desemprego nem sempre resultam em agitação social. Só quando os problemas económicos são acompanhados por outros elementos de vulnerabilidade há um alto risco de instabilidade. Tais factores incluem uma grande desigualdade nos rendimentos, um governo fraco, baixos níveis de apoio social, tensões étnicas e um historial de violência e desordem pública. Recentemente, a faísca para os tumultos tem sido a erosão da confiança nos governos e nas instituições: a crise da democracia”, afirma a Economist citando Laza Kekic (Público, 27/12/13). Digamos que em Portugal existem condições para que os protestos possam assumir outra escala e dimensão, extravasando o carácter ordeiro e pacífico que se tem verificado até aqui. E não é Mário Soares que o diz. Quem olha o país a partir do exterior sente a tensão que hoje se vive entre nós. Ignorar isto é, no mínimo, perigoso.

Melhores dias virão, é certo. No próximo ano é que não.


* Publicado na edição de 30/10/13 do AO
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