segunda-feira, 29 de julho de 2019

Menos é Mais

A atenção mediática tem colocado o arquipélago no topo das preferências dos destinos turísticos nacionais, e até internacionais, vendido como uma preciosidade em bruto e a descobrir (antes da chegada da uniformização turística).

A sazonalidade já não é o que era, a época baixa (pelo menos em São Miguel) passou a estar concentrada de novembro a março, passamos a ter um período intermédio (entre abril/maio e outubro) e a época alta aumentou o seu ciclo temporal (de junho a setembro).

Como já aqui referi, o impacto da actividade turística não acontece de forma homogénea pelo todo arquipelágico, existem ilhas que têm, inevitavelmente, um maior capital de procura e uma diversidade na oferta, a qual não é, não pode, nem deve ser, replicável por todas as outras (como alguns agentes pretendem que seja).

Por intermédio de uma reportagem da RTP-Açores tomamos conhecimento dos lamentos de um operador turístico (do grupo central) pela indisponibilidade de lugares (de avião) para aquelas ilhas. Não há muito (tempo) tínhamos a mesma reportagem a referir que não existiam passageiros. Agora a questão coloca-se de forma diametralmente oposta, o constrangimento não está na escassez mas no excesso da procura. E se não há lugares nos aviões, será que existem táxis, viaturas de aluguer, alojamento (legal) e restaurantes com capacidade de resposta para estes novos fluxos (turísticos)?

Este é um pequeno (grande) detalhe do qual pouco se ouve falar. Na resposta ao ímpeto turístico o défice na qualidade da resposta é significativo, e falta (ainda) muito por onde melhorar, da animação turística (qualificada) aos transportes públicos. Até porque se o destino é de natureza, existem muitos turistas que não estão disponíveis para alugar um carro e muitos são compelidos a fazê-lo porque, simplesmente, não há alternativa.

O Açoriano Oriental, na sua edição de 13 julho, fazia a seguinte manchete - “Turistas insatisfeitos com transportes públicos”, em cujo desenvolvimento podíamos ler: “O turista que visitou os Açores no Inverno IATA 2018-2019 está, de uma forma geral, muito satisfeito com a oferta do destino, mas apresenta níveis mais baixos de satisfação quando estão em causa os horários dos transportes públicos, a sinalização turística das estradas e a divulgação dos eventos socioculturais.”

Esta não é uma questão nova, está amplamente sinalizada mas carece da atenção devida. Numa região em que o transporte público é depreciado e observado (transversalmente) como se de um estigma se tratasse.

Mas se queremos o retorno económico da actividade turística, será que desejamos, assim tanto, os turistas que aqui aportam? Será que todas os ilhéus têm essa vocação, será que estes querem abdicar do seu modo de vida ou será que este é apenas o intento de alguns (poucos)?

Nos Açores, a história diz-nos que a economia é feita de ciclos (e de monoculturas), sendo certo que (hoje, tal como em outros períodos do passado) o turismo não pode ser o (único) eixo sobre o qual assenta a nossa economia. No entanto, ninguém ignora que, neste últimos anos, tem sido este o motor do (nosso) crescimento económico.

O mimetismo empresarial (em curso) é perigoso e pode ser tremendamente pernicioso numa inevitável normalização da procura, na medida em que não será possível continuar a crescer a dois dígitos, pois “os ciclos são os ciclos” e será “mais importante” a forma como saímos do ciclo e o modo como vamos “à procura do novo ciclo” (Pedro Costa Ferreira/APAVT, 17/07/19).

Regulação, diversificação e qualificação são medidas imprescindíveis para que possamos melhorar a experiência turística e o rendimento de todos os que trabalham neste sector.

É uma frase feita, muitas vezes repetida, mas importa, mais do nunca, saber como aplicamos a fórmula “menos é mais”.

* Publicado na edição de 22/07/19 do Açoriano Oriental
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quinta-feira, 11 de julho de 2019

PDL AL

Ponta Delgada é uma cidade de pequena/média dimensão no contexto português e à escala regional assume-se como a maior cidade açoriana.

Os Açores não têm uma capital, apesar de existirem muitas ‘capitais’ para os mais variados gostos e devaneios (Cascatas, Queijo, Turismo Rural, etc), umas mais ridículas do que outras.

No entanto, ninguém ignora que Ponta Delgada representa, por razões que não será necessário esmiuçar, uma parte substancial da actividade social, cultural e económica do arquipélago.

Apesar da importância que lhe está associada, a cidade tem tido um desenvolvimento atabalhoado e casuístico, consagrado por uma gestão municipal errante que, nas últimas décadas, tem intercalado o seu ‘modus operandi’ pela euforia triunfante e a (actual) apatia do “deixa andar”.

Esta semana numa reportagem do Correio dos Açores (03.07.19), a propósito do movimento turístico no centro histórico de Ponta Delgada e o seu impacto na economia da pequena restauração, comprovei algo que está ao alcance de todos mas cujo depoimento (na primeira pessoa) apenas veio confirmar uma constatação quotidiana.

Já (quase) ninguém habita o centro da cidade e a população flutuante é determinante para manter o negócio de porta aberta, senão vejamos o que nos é dito por um comerciante local: “se não fossem os turistas o Verão seria uma desgraça porque ninguém quer estar na cidade, e até aos Sábados, a partir das 14h00, não se vê ninguém nestas ruas”.

Outro dado que me parece relevante (salientar) é o facto de nenhum dos entrevistados negligenciar o cliente local, pois são estes que os sustentam durante a chamada época baixa.

Uma particularidade que merece ser sublinhada, na medida em que a volatilidade inerente ao sector turístico não nos deve iludir (subtraindo, neste processo, os residentes).

Alinhando pelo mesmo diapasão, o arquitecto Kol de Carvalho foi bastante contundente na crítica ao momento que experienciamos (entrevista ao Correio dos Açores, 15.06.19), onde não foi parco na adjectivação da (nossa) qualidade de vida e dos impactos da actividade turística (na cidade e na ilha).

Quando questionado se concordava com o Presidente da Câmara (de Ponta Delgada) quando diz que a pressão do turismo não está a ter impactos no urbanismo na cidade, respondeu simplesmente: “ou ele não sai à rua ou não se apercebe. Se calhar, anda sempre naqueles carros com os vidros pretos e não vê cá para fora.

E não se ficou por aqui, tocou em inúmeras feridas, ostensivamente ignoradas ao longo dos últimos anos, nomeadamente, a mobilidade urbana e a pressão do automóvel num espaço demasiado sensível para ser massacrado com o excesso de viaturas e poluição: “as ‘bertinhas’ não dão resposta e não estão coordenadas com o resto dos transportes públicos.

E no final deixou um aviso: “Não estou a dizer que se corte com o turismo. Estou a dizer é que se modele o turismo porque isto não é como as Canárias (…) Isto tem outra escala, tem outras necessidades, tem o diabo da paisagem e do ambiente que nós não podemos destruir. Quando destruirmos isso, o que é que temos?

Perante esta súbita mudança de paradigma impõe-se uma outra atitude e pro-actividade na gestão do espaço público.

A responsabilidade destes dias não é compaginável, nem comparável, com a bonomia de um desnorte continuado, nem a gestão da cidade pode estar consignada a uma mera função de porta de (des)embarque e de paraíso AL.

* Publicado na edição de 08/07/19 do Açoriano Oriental
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segunda-feira, 1 de julho de 2019

Sem excluir (ninguém)

A pressão gerada pelo crescimento turístico (dos últimos anos) tem contribuído para o presente dinamismo económico, visível em diversos quadrantes da sociedade.

Este movimento tem sido fundamental para a revitalização da economia, a qual tem operado uma enorme transformação da nossa disponibilidade (e atenção) em prol de uma actividade que foi até aqui, essencialmente, sazonal.

No contexto actual, não sou anti-turismo, nem contra os turistas (até porque todos nós acabamos por sê-lo), mas não posso aceitar que toda a iniciativa (e investimento), público e privado, tenha como única justificação, e prioridade, aqueles que nos visitam.

Andamos inebriados com o movimento gerado pelo fluxo crescente de turistas e há, em cada um de nós, um potencial empresário de alojamento local. No coração de uma cidade onde a reabilitação urbana só é possível devido a este mimetismo colectivo, como é que podemos falar de “autenticidade” se ninguém a habita e só existem casas (vazias ou de ocupação temporária)?

Até que aconteça um ajustamento na procura não me parece que esta situação se altere. O arrendamento de longa duração é uma missão (quase) impossível e 50% do negócio imobiliário é gerado por não-residentes.

Será que a nossa vivência colectiva é passível de ser transformada num “produto”?

Este devir ignora a(s) ilha(s) que fica(m) de fora do roteiro turístico e uma parte substancial da população não está preparada (nem disponível) para engrossar a fileira deste sector (seja por falta/excesso de qualificações ou por baixas remunerações), sendo que se trata de uma área que carece de recursos humanos especializados (num mercado altamente exigente e concorrencial).

Neste cenário que papel cabe à Cultura? Convinha primeiro destrinçar o que é animação cultural/turística de Cultura. No entanto, a realidade associada às festas (e festivais) de verão prova o contrário.

A Cultura é um instrumento útil quando afirmamos a nossa identidade e pretendemos valorizar as idiossincrasias que nos distinguem de outros destinos. Parece-me pouco.

Nos anos da (última) crise passamos a ouvir que era possível “fazer mais com menos” e que que as “indústrias culturais e criativas” (um equívoco) adicionavam economia à Cultura. Há coisas que vieram por bem, outras nem tanto. A escassez de recursos veio para ficar, esse é um cenário que dificilmente se alterará. E nem tudo é passível de ser produzido em série, importa, sobretudo, perceber isto.

E de que Cultura é que falamos? O programa cultural que vendemos aos turistas (mas que é na essência apenas para locais) não pode ser apenas preenchido com entretenimento, apesar de este ser, igualmente, necessário e de cumprir um importante capital (numa economia informal e de pequena escala).

O apoio da Cultura aos agentes (culturais) deve consagrar a sua acção na criação artística, na promoção das tradições, na valorização do passado e no acesso ao conhecimento.

O entretenimento não faz parte desta equação, pelo que importa, de uma vez por todas, clarificar esta questão, neutralizando a confusão vigente entre os diversos actores.

E o Turismo Cultural? Pode vir a constituir-se como um recurso diferenciador, pressupõe planeamento e requere um enorme esforço (colectivo) de concertação.

A sustentabilidade (ambiental, patrimonial e social) só fará sentido quando for vivenciada em pleno, e de forma transversal, por toda a comunidade (e sem excluir ninguém).


* Publicado na edição de 24/06/19 do Açoriano Oriental
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