A ideia não é nova, a discussão é antiga e, ocasionalmente, surge quem a recupere e a intente.
Desconheço o que está na génese desta iniciativa, se é apenas um mero expediente na agenda política ou se resulta da auscultação do sector artístico.
Fazendo fé na reacção dos artistas à intenção de gerar uma nova entidade pública empresarial (paradoxalmente quando estamos num processo de reformulação da participação da região no número de empresas e associações em que participa) para gerir os destinos de uma companhia de teatro profissional, com sede na ilha Terceira, o projecto está longe de ser consensual ou ter a sua validação.
E não será difícil perceber porquê.
No passado recente, temos assistido a um maior dinamismo dos agentes culturais da região, fruto de uma geração que saiu para estudar e que pretende regressar (se não a totalidade pelo menos uma parte), pela actividade desenvolvida por um conjunto de entidades públicas e privadas no sector cultural (que têm posicionado o arquipélago no mapa artístico).
Formalizar a intenção de sediar a constituição deste grupo profissional, na ilha Terceira, por via da “grande tradição que a ilha tem no desempenho de artes cénicas (…)” e “pelo próprio caráter espontâneo associado às danças e bailinhos de Carnaval” é um péssimo princípio, na essência é redutor e é revelador da forma como continuamos a olhar para a nossa descontinuidade territorial, na medida em que a localização é o dado menos importante desta equação.
Como já (aqui) defendi por inúmeras ocasiões, o futuro das artes nos Açores é o da profissionalização, não há volta a dar, mas não por este caminho.
Para que isso possa (um dia) vir a acontecer, temos todos de trabalhar em estreita cumplicidade (entidades oficiais: locais, municipais e regionais; artistas e instituições), no sentido de gerar sinergias que permitam um apoio consistente, e duradouro, a esta actividade, permitindo sedimentar o trabalho realizado (como continuado e não esporádico), quer na redefinição de políticas para o sector, quer na formação de públicos e na construção de melhores cidadãos (e de uma melhor cidadania).
A componente pedagógica não carece de uma companhia profissional para ser desenvolvida, ela pode e já é desenvolvida por todos aqueles que actuam nos palcos da região. Se pode ser incrementada e melhor promovida? Parece-me evidente. Pode, inclusive, ser uma âncora da sustentabilidade da própria actividade artística, na colaboração com outros sectores da sociedade, da educação à inclusão social, passando pela sensibilização ambiental à animação turística.
Pela forma como está idealizada, a fundação desta companhia profissional não implica, pelo contrário, desresponsabiliza o papel dos municípios na gestão de conteúdos e das equipas que habitam os auditórios e salas desta região.
Para que se possa conceber um circuito de circulação (e de itinerância à escala regional), temos de garantir que existem condições materiais para poder acolher objectos artísticos contemporâneos, não menorizando as exigências elencadas por companhias e artistas. Como muitas vezes acontece.
Respeitar o trabalho alheio, neste caso artístico, não é favor, é uma condição fundamental para o profissionalmente que nos assiste.
Mais do que fundar uma companhia profissional de Teatro (e já agora porque não de Dança ou mesmo uma Orquestra), o que é necessário é apoiar, de forma substantiva, a actividade de quem já a exerce, inserir critérios de diferenciação (entre os diferentes agentes), realizar encomendas, acompanhar de forma presente a acção desenvolvida no território e fomentar a circulação dentro e fora da região.
* Publicado na edição de 25/02/20 do Açoriano Oriental
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