O Plano Nacional das Artes (PNA) foi apresentado, formalmente, em Junho do ano passado com a chancela dos Ministérios da Cultura e da Educação (mas a sua práxis pretende distender-se a toda a esfera pública).
Para melhor se dar a conhecer, o PNA tem utilizado a frase de Sophia de Melo Breyner Andresen, na intervenção que fez na Assembleia Constituinte de 2 de Setembro de 1975: «a cultura não existe para enfeitar a vida, mas sim para a transformar».
O comissário do Plano Nacional das Artes, Paulo Pires do Vale, curador e professor universitário, esteve, na passada semana, no Museu Carlos Machado para protocolar com a Direção Regional da Cultura a extensão, aos Açores, desta iniciativa que será materializada através do projecto “De Fenais a Fenais: Cultura Matriz do Desenvolvimento Local”.
“De Fenais a Fenais” tem a coordenação do Museu Carlos Machado (cuja acção no território não está confinada aos ‘muros da cidade’ que o acolhe, como fez questão de referir o seu director) e será implementado e desenvolvido, até 2022, num espaço geográfico identificado como de "intervenção prioritária no combate à pobreza e exclusão social, abrangendo as freguesias de Fenais da Luz, Rabo de Peixe, Maia e Fenais da Ajuda".
A escolha do Museu Carlos Machado não é inocente, e parte da sua actividade recente (Museu Móvel, projecto “Para Além da Paisagem - Sete Cidades, para dar alguns exemplos), influenciou, nas palavras do comissário nacional, o carácter de que se reveste o PNA, o qual visa aproximar a cultura e as artes dos cidadãos.
Este não é um Plano que exista por si só, pretende contaminar toda a comunidade, da escolar à empresarial, e terá, igualmente, a responsabilidade de coordenar outros planos sectoriais já existentes, como o Plano Nacional de Leitura, o Plano Nacional de Cinema, a Rede Portuguesa de Museus ou o Programa de Educação Estética e Artística.
A visão que preside a este conjunto de boas intenções é vista sem paternalismos, na medida em que não se pretende decidir sobre o que os cidadãos devem consumir do ponto de vista cultural, pois mais do que ser um facilitador na “democratização da cultura" prende-se incutir um conceito de "democracia cultural", utilizando as palavras de Paulo Pires do Vale, o qual acredita que "todos têm algo a dar para a cultura de todos".
Este é um programa que pretende levar (dar) conhecimento ao (do) território, passando pelo património material e imaterial, e realizando o (necessário) cruzamento com um olhar contemporâneo. A desmistificação da ideia que temos dos artistas, e a sua presença no espaço escola, procura, igualmente, contribuir para operar mudanças na forma como lidamos com a fruição mas, também, com a produção cultural. Contribuindo activamente para “alavancar o pensamento crítico, a nossa capacidade de resolução de problemas e a nossa capacidade de criatividade individual e colectiva” (Tiago Brandão Rodrigues, Público, junho 2019).
Este é um período que implica (forçosamente) uma leitura esclarecida - sobre a volatilidade do que se passa à nossa volta - e torna pertinente o “repensar a nossa noção de literacia. O que é hoje ser-se culto ou alfabetizado?” (George Steiner, Expresso, junho 2017).
E em boa hora se corporizou este Plano Nacional das Artes, num tempo em que os países têm de cortar em coisas “supérfluas”, alienando as humanidades em detrimento de “competências úteis e profundamente técnicas e adequadas à geração de lucro” (Martha C. Nussbaum, 2019).
* Publicado na edição de 10/02/20 do Açoriano Oriental
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