Para determinadas pessoas, o desconfinamento significa(rá) que tudo está bem (e o pior já passou), existindo, acredito, um excesso de confiança pelos resultados obtidos na contenção dos números do vírus. O controle de passageiros à chegada (aos Açores) faz com que (felizmente) não existam muitos casos novos, a vida social é realizada, na maior parte das vezes, ao ar livre na esperança (cega neste mito urbano) que o calor neutralize o vírus ou, como já ouvimos, que “isso não pega em gente nova” (RTP-Açores, 25/07/20).
O sector do turismo será aquele que (por estes dias) acusa com mais intensidade o decréscimo abrupto da actividade, depois de anos a subir a dois dígitos. Era expectável um abrandamento e a estabilização do crescimento. Mas nada, nem ninguém previu um evento desta magnitude.
De forma paradoxal, substituímos a discussão sobre a pressão da amálgama de turistas, pela urgência do seu regresso, principalmente por parte de quem deles vive. Perante o carácter extraordinário deste abalo económico, nesta e outras áreas complementares, não existirá outra solução que não o apoio estatal (e regional) para esta suspensão temporária de muitas empresas que não conseguem trabalhar (ou cuja viabilidade não é possível com o actual volume de negócios).
A pandemia chegou sem aviso prévio, pelo que não é plausível conceber uma reabertura nos moldes em que ela existia, com a agravante desta crise ser global, ao contrário da que a antecedeu, e com repercussões gravosas, sociais e económicas, nos principais mercados emissores.
Este tempo tem vindo a agudizar as desigualdades pré-existentes (à Covid-19), revelando a sintomatologia autocentrada de uma sociedade que vive (apenas) para si própria, a qual tem sido incapaz de enfrentar “sem desespero” o futuro, em particular, quando este se apresenta “ameaçador e incerto” (Gilles Lipovetsky, A Era do Vazio).
A tendência crescente de comunicarmos (online) com quem partilha das mesmas opiniões (e com direito a filtro do algoritmo) tem degradado “aspectos fulcrais do ecossistema relacional e social como a tolerância, a abertura, a reciprocidade, a paciência-espera, a deferência e responsabilidade, sem os quais não pode haver verdadeira empatia, democracia e humanidade” (Paulo Pires, 21/7/20).
A humanização dos nossos actos e de quem (supostamente) administra a justiça em nome do povo, não me parece compaginável com a extrapolação (anacrónica) de uma situação extraordinária resultante de uma ocorrência circunstancial (e de absoluto gozo egoísta).
Tal como referiu, e bem, Paulo Simões no seu último editorial (Açoriano Oriental, 02/08/20): “Afirmar que o uso obrigatório de máscaras ou que o isolamento profilático são medidas castradoras das liberdades individuais é ofender a memória de todos os que efetivamente se viram privados dos seus direitos, liberdade e garantias nos tempos da ditadura! É ofender todos os que ainda hoje vivem sob o jugo de regimes autoritários ou ditatoriais, onde, aí sim, é preciso pedir licença para respirar. A lei é para ser cumprida, mas a Lei é “um ser vivo” que cresce, evolui, adapta-se. Esgrimir o argumentário legal para justificar o incumprimento de normas cujo objetivo único é a proteção de todos é não querer compreender a natureza do que está em jogo.”
O que é estranho, é que a compreensão de tudo isto seja, aparentemente, estranha para quem tem o dever de o superintender.
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