sexta-feira, 6 de novembro de 2020

A festa da democracia?

No rescaldo das eleições regionais, uma parte da solução governativa para os Açores é, agora, decidida, aparentemente, em Lisboa, como terreno (fértil) para a experimentação de (futuros) planos governativos (alternativos) no todo nacional. 

 O resultado eleitoral deu, inequivocamente, a vitória ao Partido Socialista (muito embora sem a maioria de votos obtida anteriormente). 

Este dado não terá constituído (propriamente) uma surpresa para Vasco Cordeiro, político acima de qualquer suspeita, em particular, pela preocupação manifestada, antes e durante a campanha eleitoral, no apelo à participação cívica e na procura de estabilidade governativa perante os tempos desafiantes que atravessamos e os (enormes) desafios de futuro (gerados pela pandemia). 

Maiorias absolutas são, nos dias que correm, uma (a)normalidade democrática, em particular, num tempo disruptivo como o que hoje experienciamos, onde a fragmentação social e económica passou a apresentar (paradoxalmente) uma clivagem mais acentuada. 

Por (de)formação académica privilegio a leitura qualitativa dos números, em detrimento da esterilidade quantitativa, a qual tem ocupado, sofregamente, alguma análise política na procura de interpretar o livre arbítrio dos eleitores. 

O xadrez parlamentar na Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores nunca foi tão colorido e isto, sim, deve ser celebrado, contrariando a ideia de que a democracia tem estado suspensa ou a de que foram estas as eleições que vieram “libertar” os Açores (seja lá o que isso significa). 

Por estes dias, importa recordar que foi por iniciativa do Partido Socialista que foi introduzido na lei eleitoral para a Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores, o Círculo Regional de Compensação, o qual tem permitido uma maior equidade na distribuição de votos (no todo regional), aumentando, por este mecanismo, as possibilidades de pluralidade na representação parlamentar, como agora, uma vez mais, se comprova. 

 Assim como, foi, igualmente, por iniciativa do Partido Socialista, introduzida a limitação dos mandatos de Presidente do Governo Regional (para um máximo de três), um presidente independente para o Conselho Económico e Social e, mais recentemente, o Voto antecipado por Mobilidade. 

A nova composição do parlamento regional dará lugar a um conjunto de novas vozes do espectro político, reflexo imparável da rapidez (crescente) das transformações sociais que afectam todas as esferas da nossa vida colectiva. 

O Partido Socialista tem o dever de liderar a formação de um novo governo, interpretando, responsavelmente, os resultados eleitorais, agregando, de forma estável e consistente, um conjunto abrangente de vontades políticas. 

Contudo, existem valores com os quais não podemos estar de acordo, nem podem ser ultrapassados, sobretudo, aqueles que ignoram a autonomia regional, depreciam as instituições regionais, alimentam o populismo, promovem a calúnia e o reacionarismo da extrema-direita. 

Um acordo ou parceria com uma força política com este tipo de fundamentos significa, efectivamente, alienar um património construído, por muitas gerações de açorianos, ao longo dos últimos 45 anos. 

A festa da democracia? Sim. Mas esta festa (com estes convidados) não é minha.*

* Frase livremente adaptada de um texto de Milan Kundera (“Um Encontro”, editora D. Quixote, 2011).

+ Publicado na edição de 30/10/20 do Açoriano Oriental
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