A pandemia afectou todos, sem excepção, mas uns sofreram,
mais do que outros, os efeitos nas suas cadeias de valor.
Pelas vezes que já foi referido, mais parece um lugar-comum
dizer-se que o sector cultural foi um dos sectores económicos mais afectados.
Embora não existam dados concretos para o efeito das
restrições sanitárias nas receitas da cultura nos Açores, podemos seguir-nos
pelos dados recolhidos, por este estudo, no qual é demostrado que as perdas do
sector somam, em termos europeus, cerca de 31% (199
mil milhões de euros).
Nas contas feitas pela EY, só o sector dos videojogos
escapou à perda de receitas culturais, tendo mesmo visto as receitas subir 9%. As
quebras são mais acentuadas, como seria expectável, nas artes performativas,
onde estão incluídos o teatro e a dança, cuja quebra de receitas foi de 90%. A
segunda área mais afetada é a da música, onde as receitas recuaram 76% (em
2020). O estudo analisou, ainda, as diminuições na área das artes visuais
(-38%), na arquitectura (-32%), na publicidade (-28%), nos livros (-25%) ou na
área da imprensa, nomeadamente, nos jornais e revistas, onde as receitas terão
recuado 23%.
Perante a paragem abrupta foi necessário encontrar
estratégias de sobrevivência, sendo que num primeiro momento, “ficámos sem
reação" (Isabel Craveiro, 24/02/21).
A actividade artística foi totalmente repensada para
responder aos desafios de um tempo novo. Neste processo de adaptação, nem todos
estavam preparados (orçamentalmente e tecnicamente), tanto instituições como
espectadores. A passagem para a dimensão online revelou ser, esta sim, um processo
transitório, que permitiu manter o trabalho para alguns artistas e a “relação
com o público”.
Considero que esta foi uma solução de recurso para um tempo
desesperado. Uma coisa não substitui a outra, mas devemos retirar os melhores
ensinamentos desta experiência, sendo certo que a dimensão visual é, hoje, uma
parte importante da comunicação das instituições, nesta relação com os seus
diferentes públicos, cada vez mais suspensos no(s) ecrã(s).
Este será um dos maiores desafios com que se confrontam as
instituições culturais - a de renovar as plateias e fazer com que os mais novos
experienciem um espectáculo em sala.
Noutro capítulo, no que que concerne a todos quantos ficaram
sem rede, de um dia para o outro, este “novo normal” tornou mais evidente o
carácter precário de quem trabalha de forma profissional no sector da cultura.
Esta situação não é nova, não é de agora. Tendemos a depreciar estes
trabalhadores, não valorizando o seu trabalho, encarando a cultura como um
hobby.
Este é um caminho que tem vindo a ser percorrido, mas
parece-me fundamental tornar mais visível a complexidade inerente à criação
cultural, através de um trabalho de mediação junto do grande público,
evidenciando o papel que a cultura tem nas nossas vidas, amplamente presente ao
longo da pandemia (nas suas mais variadas formas).
A importância da cultura, bem como a sobrevivência do tecido
criativo, está sempre presente no discurso institucional, sobretudo, quando se
trata de anunciar os apoios de emergência por forma a debelar os efeitos da
pandemia. Contudo, a realidade dos números acaba sempre por lhe atribuir a sua
verdadeira dimensão.
O mapeamento do sector cultural, na região e no país, foi
realizado no meio da pandemia. Aqui reside parte do problema, na medida em que transparece
o reconhecimento (paradoxal) do desconhecimento da Cultura sobre o sector que
tutela.
Falamos dos artistas, mas, não raras vezes, esquecemos quem
torna possível quem brilha em palco, pelo que a paragem da actividade afectou,
sobremaneira, um conjunto de profissionais que vivem dos festivais (festas) de
verão, muitas das vezes de forma sazonal, que viram a sua situação profissional
tornar-se uma incógnita.
Nestas situações, há sempre quem não perca tempo em ajudar o
próximo. Aqui, enalteço o trabalho realizado pela União Audiovisual, na
identificação das necessidades, e no fazer chegar a ajuda, a quem dela
necessitasse.
A recuperação que importa implementar, neste sector em particular, implica, invariavelmente, financiamento público (e privado), conferindo-lhe, desde logo, outra dignidade orçamental, para desempenhar adequadamente o seu papel.
Neste sentido, devemos “preservar o essencial, melhorar o muito que ainda está aquém do desejável e inventar o tanto que ainda está por fazer”. (Tiago Rodrigues, TNDM II, 2021).
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