quarta-feira, 27 de abril de 2011

Postura eucaliptíca

Maria José Cavaco As Minhas Casas Voadoras, 2001
















O final do plenário de Abril na Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores ficou marcado pela discussão de um Projecto de Resolução com pedido de urgência e dispensa de exame em comissão, apresentado pelo Bloco de Esquerda, que recomendava a concertação entre o Governo Regional dos Açores e a Câmara Municipal de Ponta Delgada para a construção de um único Centro de Arte Contemporânea na ilha de São Miguel.

Os considerandos desta Resolução realçam o papel da Cultura como sector vital no desenvolvimento da sociedade, a importância do intercâmbio cultural e todos os benefícios que daí podem advir. Estes princípios são basilares e comungam daquilo que o Partido Socialista tem dito, defendido e executado enquanto governo na Região. Contudo, esta proposta contém 2 erros com os quais não concordamos e que a tornam extemporânea. O primeiro é o destinatário: pela forma como estava formulada deveria ser remetida à autarquia de Ponta Delgada e não ao Governo Regional. E porquê? E daqui resulta o segundo erro: há uma questão cronológica associada ao Arquipélago - Centro de Artes Contemporâneas que não é despiciente, na medida em que não estamos, ao contrário do que afirma o BE, numa «fase de poderem ser convertidos num só projecto». Isto porque o Arquipélago está em fase final de apreciação do concurso público para a empreitada de construção, cuja adjudicação deve acontecer nos próximos meses. Ao passo que o MAC (Museu de Arte Contemporânea) de Ponta Delgada está numa fase projecto e ainda não passou da ‘fotografia’.

Este projecto de resolução deu, igualmente, razão ao Partido Socialista quando no início de Março criticou esta opção camarária, na medida em que este investimento é revelador da ambição pessoal da presidente da autarquia e não salvaguarda a defesa do interesse público. Crítica consubstanciada pelo facto de estarmos a viver uma conturbada situação económica e financeira com fortes repercussões sociais, cujo desfecho se perspectiva incerto. Não tenhamos ilusões quanto a isso. E quanto aos argumentos utilizados em torno da aplicação estrita dos fundos comunitários, convém desmentir categoricamente esses ‘constrangimentos’. A Câmara de Ponta Delgada pode utilizar esses fundos em investimento de natureza diversa e não apenas na Cultura. Não vale pena justificar esta opção com recurso a ‘birras’ e com argumentação sem cabimento. Não estamos contra o investimento na Cultura. Mas, neste caso em particular, estamos a falar de projectos com prazos distintos e da duplicação de investimento, num sector altamente dependente dos apoios públicos. E, neste ponto, concordamos com o Presidente da Câmara da Ribeira Grande que a este propósito disse: «Questionamos se alguma Câmara Municipal dos Açores terá capacidade económica para garantir representatividade cultural de uma região através de um Centro de Arte Contemporânea?». Ele acha que não. Nós também.

Existe igualmente outro equívoco quando se compara os ‘dois museus’. Não estamos a falar de 2 espaços idênticos. O Arquipélago é um espaço de criação e residência artística, cujo projecto prevê, simultaneamente, a reabilitação de um importante património industrial. Espaço que pelo passado que teve transporta uma forte componente simbólica para o seu uso futuro. Espera-se que seja um espaço de confluências várias, de produção de conhecimento e constitua um ‘salto’ para o exterior. Comporta, igualmente, uma vertente expositiva pelo facto de ser o ‘guardião’ da Colecção de Arte Contemporânea dos Açores, um processo dinâmico e em construção. Por tudo isto parece-nos que estamos a falar de conceitos diferentes, num espaço finito e de recursos escassos. Mas que, no caso do Arquipélago, se perspectiva à escala regional, num projecto que extravasa em muito a fronteira concelhia.

A optar, como no final da discussão reconheceu a deputada Zuraida Soares, o projecto escolhido seria, na sua opinião, o do Governo Regional. Postura que aplaudimos. À margem dos que aproveitam esta época de constrangimentos para explorar populismos de ocasião e defender o corte cego nos investimentos da Cultura. Porque é que se quer sempre cortar na Cultura em detrimento de outros sectores da governação?! Numa altura em que múltiplos estudos indicam que se não usarmos «o casamento entre a cultura e a economia não conseguiremos que a sociedade portuguesa cresça»?!

Quem faz birra e, consecutivamente, se contradiz, afirmando uma coisa na Horta e outra em Ponta Delgada, é o PSD/A. O partido que passa a vida a exigir o chamado “desenvolvimento harmónico” para o arquipélago é o primeiro a assumir uma "postura eucaliptíca" e centralizadora em Ponta Delgada. E mais uma vez pergunto: o que é mau para os Açores, é bom para Ponta Delgada?!

* Publicado na edição de 25 Abr'11 do Açoriano Oriental

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