A capacidade de fruição cultural é coisa que não se adquire de um momento para o outro. É necessário gerar um hábito regular e sustentado no acesso a espaços de cultura (bibliotecas, cinemas, galerias de arte, livrarias, museus, salas de espectáculos) ou através da participação directa nas actividades de uma determinada colectividade (associação juvenil, grupo de teatro, filarmónica), por forma a alimentar e consolidar o interesse, o conhecimento e o gosto.
A prática do actual Governo da República tem ditado outra coisa, ao reduzir a importância da Cultura, mesmo que simbólica, pela supressão do Ministério da Cultura para dar lugar a uma Secretaria de Estado à sombra do Ministro-adjunto (e não do 1º Ministro como nos dizem ser), deixando o sector cultural diminuído, num estado calamitoso, estagnado e com o futuro (próximo) seriamente comprometido. Por cá, apregoa-se um mundo de oportunidades de forma dúbia, assegurada e difundida pela multifuncionalidade institucional e querendo fazer passar uma coisa por outra, quando num ciclo de conferências - de última hora - se debita que "não se pode continuar a encarar a cultura como área menor na acção governativa" nem poderá confundir-se a política cultural "com uma simples concessão de subsídios ou apoios aos agentes culturais". Perante mais este ditame, o que dizer desta notícia: "A Presidente da Câmara Municipal de Ponta Delgada assinou hoje protocolos de cooperação com cerca de meia centena de instituições do concelho ligadas à cultura e ao desporto"?! Apenas me ocorre um provérbio popular para desmascarar esta súbita deriva cultural: 'faz o que te digo, não faças o que eu faço'.
A verborreia inconsequente com a realidade dos factos e preenchida de lugares comuns como se fossem dados irrefutáveis, que, ditos repetidamente, passam a constar como verdade insofismável é, ou têm sido, apanágio da candidata à presidência do governo do maior partido da oposição.
Da Região Económica agora passamos a Região Cultural – e o que é isto significa?! Nada! Muito se diz sobre o que Ponta Delgada conquistou ou fez nos últimos anos, mas a cidade não construiu um evento 'âncora' de referência em termos culturais. Pelo menos não o conseguiu por mérito da autarquia. Felizmente, os agentes locais e as instituições governamentais têm contribuído para o engrandecimento da agenda cultural da cidade. Entidades que são todas, sem excepção, 'ignoradas' pelo município. Dizer o contrário é desconhecer a realidade de quem assiste incrédulo à plêiade de articulistas e notas de imprensa profusamente divulgadas sem critério nem rigor, cuja pretensa 'sapiência' tem dado lugar a tiradas deste tipo: "É preciso deixar de levar pela mão aqueles que podem ir pelo seu pé!" – será este o nível de coloquialismo que a candidata pretende 'promover'?! Nada de novo aqui, pois tem sido este o timbre e a bitola aplicada a Ponta Delgada.
Está bem patente, neste tipo de discurso, uma forte questão ideológica que perpassa o Governo da República e granjeia seguidores na região. Para quem o argumento que: "não há outra alternativa", esta é a "hora da verdade" e dá 'graças' à "livre iniciativa", colhe. Quem agora diz que não quer uma "cultura de estado" (!) agiu de forma contrária ao longo da última década. Confunde-se tudo e todos. Fala-se de questões que pouco têm a ver com a criação artística, nivelando tudo pelo mesmo e sem fazer repercutir as necessidades, as qualidades e o actual panorama artístico regional.
Nos tempos que correm, e contrariamente àquilo que tem sido apanágio das políticas recentes do Governo da República e da SEC, a Cultura precisa de ser ainda mais apoiada, mas por quem sabe do que fala. Não precisamos do recurso a 'lugares comuns' para lutar por melhores condições à criação e divulgação dos criadores açorianos, nem mesmo como forma de 'distinguirmos' a singularidade das nossas tradições, pois quem diz não agir por "preconceitos" assinala-os como de estigmas se tratassem.
* Publicado na edição de 18/06/12 do AO
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segunda-feira, 25 de junho de 2012
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