terça-feira, 3 de julho de 2012

Uma política do gosto... Ou da falta dele.

Na semana que passou criadores, agentes e representantes do sector cultural reuniram-se no Teatro São Luiz, em Lisboa, para uma reflexão sobre o estado da Cultura em Portugal.

Este encontro marcou uma tomada de posição destes profissionais perante o actual "(...) esvaziamento das políticas culturais e pelo desrespeito pela Cultura e pelos seus representantes".

A propagação da ideia que a Cultura é despesista e uma das áreas, da sociedade portuguesa, que mais contribuiu para o deficit do país, deve ser combatida de forma veemente, pelas inverdades que comporta e pela arrogância demonstrada por quem ignora as dinâmicas do sector. Rui Vieira Nery deu voz à indignação: "Não somos uns parasitas a viver do erário público".

Nestes dias de sufoco financeiro, o discurso crítico à Cultura granjeia adeptos pelo carácter populista e demagógico que encerra, não é verossímil e anula qualquer opção racional perante a situação difícil que todos atravessamos. Quem vive da Cultura não ignora a realidade que nos rodeia. Aliás, mesmo sem esta crise, este foi um sector que sempre subsistiu com dificuldades e com base na imensa disponibilidade (muita das vezes simbólica e gratuita) de quem actua, organiza e produz.

2012 é considerado, por quase todos, um ano zero no que aos apoios diz respeito, na medida em que a SEC (Secretaria de Estado da Cultura) "não abriu concursos para nada". Não estamos perante um acto isolado, um 'acidente de percurso' mas, sim, de um "propósito". Esta acção ou inacção governativa age sob uma égide ideológica. A ideia de que a cultura pode viver, única e exclusivamente, do "mercado" é uma falácia e é, na sua génese, uma ideia "perigosa". Não renego a necessidade de tornar sustentável, na medida do que for possível, o sector criativo. Pelo contrário. No entanto, existem áreas cuja rentabilidade é difícil e cujo objecto dificilmente poderá ser 'rentável'. Pelo que exigir que as necessidades de criação e fruição sejam apenas e somente garantidas pelo acto de "compra e venda no mercado" faz com que, nesta concepção, haja uma demissão inequívoca do Estado. O que, no meu entender, é, e para ser brando em palavras, inaceitável!

Paralelamente, e a propósito da nomeação do representante de Portugal para a Bienal de Veneza em 2013, ficamos a saber que, ao contrário do que tem sido o procedimento habitual e normal neste tipo de organização, não houve a nomeação a priori de um comissário ou júri que tenha desencadeado o processo de selecção, de modo a assegurar a salvaguarda dos criadores da "distância do poder". Tal não se veio a verificar. A opção da representação é uma "escolha directa da SEC" e a posteriori é que irá decorrer o processo formal. Nada mais errado.

Ainda a propósito deste episódio não posso deixar de reproduzir o que escreveu Vanessa Rato (no Público): "(...) Não é demais repetir: ao Estado compete delinear estratégias - por exemplo, decidir se a cada dois anos Portugal deve ter um representante em Veneza (e, nesse caso, assegurar os meios para que tal possa suceder); ao Estado não compete ter um gosto - ou seja, escolher quem vai a Veneza. Por corresponder a uma escolha directa do Estado, a presença de Portugal na Bienal de Veneza de artes plásticas de 2013 traduzirá uma estética do poder, uma arte oficial. Politicamente, o retrocesso dá sopro de vida às piores sombras e fantasmas". Os exemplos sucedem-se.

O que está em causa são conquistas de 30 anos. A impreparação da actual equipa governativa (da República) ou a sua aparente falta de visão estratégica podem deitar por terra "todo este capital cultural e simbólico", nas palavras de António Pinto Ribeiro.

Temos, isso sim, de saber potenciar a "qualidade da criação artística que existe no país" e na região. Os Açores têm inúmeras capacidades neste sector e devemos maximizá-las com renovado fulgor mesmo e apesar de outros "fantasmas" que teimam em resgatar ideias avulsas, datadas e desfasadas daquilo que é hoje o arquipélago e toda uma nova geração de criadores (jovens e menos jovens).

Actualmente, somos confrontados com o discurso da 'inevitabilidade' e com uma política do gosto… Ou da falta dele. O Futuro também passa por aqui...

* Publicado na edição de 25/06/12 do AO
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