terça-feira, 27 de maio de 2014

terça-feira, 8 de abril de 2014

Praxes, indignação, estupidez e atrevimento

As praxes têm estado no topo da agenda destas últimas semanas. Esta é uma questão antiga e que não pode nem deve ser discutida de forma leviana, nem cega. A tendência nacional para assuntos adormecidos é discuti-los de forma irracional, em que defensores e detractores assumem posições extremadas sobre a natureza dos factos.

Num país de brandos costumes, como é habitual dizer-se, os ânimos nestas discussões, por regra, extravasam em larga medida as convenções instituídas. Uma parte significativa dos media não esclarece, nem procura a verdade; opta, na sua maioria, pela devassa da vida privada de alguns dos intervenientes dos casos mais mediáticos. A culpa deste estado de coisas não parte somente de um ou outro jornalista com menos escrúpulos. Nesta sociedade, em que a ânsia pela fama e pelo reconhecimento público passaram a mediar as relações sociais, os meios justificam os fins, ou o mesmo é dizer: o julgamento na praça pública, a capa do jornal, a reportagem na revista cor-de-rosa ou a abertura do telejornal.

Não aprovo as praxes e sempre me debati contra aqueles que as fixavam, do secundário ao ensino universitário. Em muitos dos seus protagonistas prevalecia (prevalece?), quase sempre, um sentimento revanchista e um direito inalienável a algumas práticas, abusos e prepotência de natureza diversa. Para além da “irreverência” de alguns veteranos, assistia-se, sim, à conquista de um estatuto de poder por parte daqueles que, no ano anterior, tinham sofrido com as manigâncias de quem os tinha praxado. A subida de posto era uma vitória e um direito inquestionável, cujo poder tinha de ser exercido a todo o custo. Não me recordo no Liceu de Antero de Quental, perante os actos mais absurdos e atentatórios, de existir qualquer complacência por parte de funcionários, professores ou mesmo da sociedade civil, aquando da famosa “procissão” pelas ruas da cidade de Ponta Delgada. Era tradição, e por mais idiota que fosse, ninguém a questionava. Tal continua a ser prática corrente. O estranho é discordar e andar desalinhado com as “tradições”. Felizmente frequentei uma universidade onde existia uma “comissão anti-praxe”, onde os actos menos condizentes com a suposta “praxe académica” eram alvo de atenção e intervenção por parte dos diversos órgãos académicos, das associações de estudantes ao presidente da direcção.

Ouvir alguns dos responsáveis de algumas das associações de estudantes do país sobre este assunto é penoso, tal é a bonomia que dizem presidir a este tipo de rituais. Existem sempre excepções mas temo que, neste caso, as boas práticas da “praxe” sejam uma minoria, se é que de todo elas existem.

Cito, a propósito desta discussão, alguém com quem nem sempre estou de acordo mas que aqui sintetiza subliminarmente o frenesim mediático em torno da polémica da “praxe académica”, catapultado pelas mortes dos jovens na praia do Meco e dos eventos que entretanto se sucederam. Escreve, assim, o jornalista José Manuel Fernandes (Público 31.01.14): “Ritual de iniciação, a praxe académica também não é muito distinta de outros rituais de passagem, alguns deles vindos da Antiguidade Clássica. (…) E de afirmação da hierarquia. Não estou com isso a justificar os excessos ou sequer a defender essas muitas e variadas praxes, estou apenas a constatar uma realidade antiga e a lembrar práticas que continuam bem presentes em muitos sectores da sociedade. Os estudantes universitários não são, de repente, as ovelhas ranhosas do Portugal contemporâneo. (…) O que nos indigna é a alarvidade, o sadismo, o sexismo, a porcaria, a violência. Só é pena que não indignemos também por a alarvidade se ter tornado cultura dominante e aceite, por encher a programação das televisões (…)”.

A indignação do Portugal Contemporâneo é feita de ‘likes’ inconsequentes, construídos por ignorância e pela frustração destes dias complexos e confusos, num tempo em que estamos todos, talvez, menos tolerantes ou com menos propensão para tolerar atentados a direitos fundamentais. Se bem que temos sido muito complacentes com a “estupidez” e “atrevimento” da governação que preside este país.


* Publicado na edição de 03/02/14 do AO
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quarta-feira, 19 de março de 2014

Um longo Inverno

O governo Passos/Portas diz aos portugueses para não entrar em “euforia” (!) quando, na prática, são os próprios que estão em êxtase e se desdobram em declarações e interpretações, umas mais fantasiosas do que outras, da realidade dos números.

A crueza do muito por que passa o país não importa e não é para aqui chamado. As dificuldades infligidas pela austeridade cega, o desemprego e as falências em catadupa são um peso a pagar pela “ilusão da prosperidade”, diz-nos a Ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque, que em entrevista à TVI deixa um aviso a este povo irresponsável e amoral: “as pessoas não podem ter a expectativa de voltar ao que era”.

O tom cândido e nada paternalista com que o Governo da República insiste em fustigar os contribuintes que os sustentam - em particular o sector público e os pensionistas, os que mais têm sofrido com o “custe o que custar” - parece não ter um fim à vista. Nas palavras contidas da Ministra das Finanças, que não se cansa de o dizer, “o caminho que falta fazer em termos de consolidação orçamental é longo e não me canso de repetir. É bom que as pessoas tenham essa consciência”.

Que consciência é esta de que nos fala a ministra? Terá ela consciência das contingências por que passam as pessoas? Haverá necessidade desta repreensão colectiva? E que consciência é que preside ao Conselho de Ministros?

Por estes dias a consciência que assiste a Maria Luís Albuquerque permite-lhe a afirmar coisas como “estamos a acelerar esse caminho sem acelerar os esforços”; ou “no final do programa teremos mais liberdade mas não liberdade plena”. Será que o governo está a tomar consciência das dificuldades que nos assistem ou repete-se até à exaustão na (vã) tentativa de se convencer que está no caminho certo?

O défice orçamental em 2013 andará à volta dos 5%, dentro dos limites definidos pelos credores internacionais e construído através dos "ganhos de eficiência do fisco" contra a evasão fiscal, do aumento das receitas do IRS e das receitas extraordinárias dos mais de 1277 milhões de euros arrecadados por intermédio do perdão fiscal. Mais extraordinário é o facto de se ter ficado a conhecer que, sem as medidas adicionais, o défice orçamental de 2013 teria registado um "excedente de 500 milhões de euros" face ao limite de 5,9% definido no segundo Orçamento Retificativo, apresentado em outubro. O que para a Maria Luís Albuquerque significa que "mesmo sem as medidas extraordinárias, teríamos cumprido o objetivo orçamental com que nos comprometemos no âmbito do programa".

Tenho alguma dificuldade em perceber esta ânsia de propagar a intensidade da austeridade como hoje a sentimos, sabendo de antemão que podíamos ter efectuado todo o ajustamento de redução da despesa pública de forma menos intensa e sem os enormes custos sociais que estamos a pagar.

Este é um governo que recusa a ideia de que há uma "enorme insensibilidade social" na prossecução deste plano. Contudo, a despesa com o rendimento mínimo, o complemento solidário para idosos, e muitas outras prestações sociais, desce. A repercussão social e económica desta missão é enorme e a recuperação da confiança dos portugueses no seu país e em quem os governa não se afigura tarefa fácil. Ou estaremos perante uma relação irremediavelmente perdida?

Enquanto isto, o governo Passos/Portas já sonha com sol e o calor de um Verão precoce e que está previsto chegar lá para Maio. O frio só agora começou e, por aquilo que nos dá a ver, o Inverno reserva-se-nos longo.


* Publicado na edição de 27/01/14 do AO
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segunda-feira, 10 de março de 2014

Vox populi

Angra do Heroísmo, Açores, Março 2014

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

Discussão pública

O meio da criação, produção e difusão cultural no arquipélago dos Açores evoluiu consideravelmente desde o final da década de noventa, altura em que regressei à ilha.

A informação e a formação de criadores e público é hoje maior, melhor e mais exigente.

As condições de apresentação ao dispor dos artistas (e aqui a leitura é transversal a todas as áreas artísticas) são, na maioria dos casos, excelentes. E nem sempre reconhecidas.

Garantidas que estão as necessidades físicas, é fundamental trabalhar no sentido de incentivar e proporcionar condições de criação e de difusão, através da itinerância interna no arquipélago e em cada ilha, bem como perspectivar alcançar outros palcos, sobretudo no continente português.

Não hajam ilusões: este caminho não é fácil. É difícil. E com isto não estou a dizer que nos devamos menorizar, mas devemos ter consciência da nossa importância no espectro nacional - sendo que existe por parte de programadores e instituições culturais nacionais um enorme desconhecimento daquilo que por cá se faz, com honrosas excepções, é certo.

E aqui como em muitos outros sectores nos Açores - apesar do muito que já foi feito - temos um longo caminho a trilhar.

Neste sentido, e fruto das profundas alterações na forma como se faz e promove a cultura, o Governo dos Açores, através da Direcção Regional da Cultura, lançou em dezembro à discussão pública um pacote de diplomas do setor da cultura, disponíveis no portal do Governo.

Estas propostas visam sobretudo a alteração do regime de apoios a conceder aos agentes que desenvolvam atividades culturais consideradas de relevante interesse para a Região e o regulamento geral desses apoios.

No âmbito da discussão pública, terá lugar um debate sobre a alteração da legislação dos apoios a atividades culturais amanhã, terça-feira, 21 de Janeiro, pelas 20h30, no auditório da Biblioteca Pública e Arquivo Regional de Ponta Delgada, com a presença do Director Regional da Cultura.

Considero que a participação neste tipo de iniciativas é fundamental e todos devem dar o seu contributo de modo tornar mais eficaz e ágil a proposta governamental. Quem melhor do que aqueles que estão no terreno para responder aos desafios e aos desígnios de um tempo que é novo? Contudo, há quem ainda não tenha percebido que o passado já era, que é necessário mais profissionalismo, planeamento e pragmatismo. Quanto a isto não há volta a dar. E não, não estou a ser fatalista.

Por cá, continuamos a tratar de forma igual coisas que são diferentes. E não falo apenas da comunicação social: os critérios deviam e devem ser outros no apoio aos diferentes agentes culturais. E este é para mim um dos grandes méritos desta proposta de alteração dos apoios culturais – a introdução de critérios de ponderação que fazem com que a análise seja balanceada por dados objectivos e concretos, em que o histórico e o mérito, por exemplo, são valorizados. Todos têm direito a trabalhar e apresentar o seu trabalho mas nem “tudo é arte, nem todos são artistas” (João Louro, Público 15.01.14). Há lugar para todos, os espaços é que podem ser diferentes.

É necessário um trabalho de crítica para aquilo a que assistimos e consumimos, seja um livro, uma peça de teatro ou um concerto. Falta-nos isso. Bem sei que os tempos não estão propícios a este investimento por parte dos jornais mas é algo pelo qual devemos lutar. E para balizar o que aqui digo socorro-me das palavras reflectidas de António Guerreiro (Público/Ípsilon 20.12.13), na medida em que é "necessário reconhecer que há uma diferença fundamental entre crítica e divulgação. (…) Mas, a essa distinção, sobrepõe-se o procurado espectáculo do gosto e da opinião. Para o discurso crítico as estrelas são um obstáculo com o qual é difícil lidar; o discurso da divulgação precisa das estrelas para parecer discurso crítico. O primeiro constitui-se através de uma argumentação e nela funda todo o juízo de valor; o segundo dispensa a argumentação crítica e faz das estrelas uma asserção absoluta e autoritária". A discussão é longa mas profícua, digo.


* Publicado na edição de 20/01/14 do AO
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sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

Em espera

Enquanto a política de austeridade severa do (des)Governo da República se mantém e se agrava, este vocifera que está a “modernizar” o país e acena com os indicadores económicos no sentido de reafirmar que o caminho é este. Na rua, os portugueses dão-se conta de uma outra realidade que não aquela veiculada e propagandeada pelos apaniguados do regime nos jornais, rádios e televisões.

Não deixa de ser surpreendente que se cante vitória perante a colocação de dívida nos mercados financeiros e ao mesmo tempo seja anunciado o alargamento da contribuição extraordinária de solidariedade (CES), aprovada na passada quinta-feira pelo Governo, cuja alteração vai afectar mais 136.296 pensionistas da Caixa Geral de Aposentações (CGA) e da Segurança Social, que recebem pensões entre mil e 1350 euros e que até agora eram poupados aos cortes. Quem recebe entre 1350 e 4611 euros não é afectado pela revisão da CES. As pensões acima de 4611 euros verão o corte agravar-se, mas, em termos relativos, o esforço maior é pedido a quem até agora era poupado. O mesmo acontece nos cortes aos trabalhadores do sector público, cujos escalões mais baixos eram poupados e que agora não o são.

Todo este cenário destoa daquele que o governo pressupõe que seja e cujos resultados económicos prevê para o corrente ano. Não me parece razoável pressupor que a economia não sofra com o encolher do poder de compra dos portugueses. Aliás, já vimos quais foram os resultados deste tipo de medidas em anos anteriores.

Ao fim de três anos é incrível que apenas se perpetue um clima recessivo e não se viabilize uma “agenda positiva”, focalizada no crescimento económico e numa consequente prosperidade, com claros benefícios para a receita do Estado.

Apesar de Passos Coelho afirmar que tem em curso uma agenda de modernização do país e que a mesma ”não cabe numa legislatura”, segundo o próprio em declarações na apresentação pública da sua recandidatura à liderança do PSD, a verdade é que não se fizeram reformas estruturais na máquina do Estado, apenas cortes, na sua maioria cegos, que mascaram as insuficiências e incapacidades do governo a que ele preside. Aliás, torna-se cada vez mais penoso ouvir o rol de insignificâncias e dislates com que o Primeiro-Ministro nos brinda a cada aparição que faz.

O país está em estado de choque, os Açores também. E com a fiscalização preventiva do orçamento regional temos uma região em espera, perante um tempo que não espera e exige respostas céleres e eficazes. As medidas previstas pelo governo regional e que visam contrariar toda esta incerteza estão, assim, adiadas.

Eusébio

A morte de Eusébio é algo que devemos todos lamentar. Contudo, considero que não deixa de ser simbólico o nível da discussão em torno da trasladação ou não do futebolista para o Panteão Nacional. O momento que o país vive é de desnorte, já sabemos. E o futebol tende a ser, para muitos, o escape ao seu inferno diário. Não tenho uma opinião concreta se o mesmo deve ou não estar ao lado dos maiores nomes da história do país. Podemos sim, a partir desta questão, discutir o que é que simboliza o Panteão Nacional e quem lá deve ter lugar. Os ânimos, nestas circunstâncias, tendem a exaltar-se mas é curioso que, por razões bem mais simbólicas e concretas, não se discuta acaloradamente e com tamanha veemência o destino de todos nós.


* Publicado na edição de 13/01/14 do AO
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quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Uma opção política

O anúncio da decisão do Representante da República para os Açores de enviar o orçamento regional para fiscalização preventiva não constituiu uma surpresa. Para mim, não.

Independentemente daquilo que se possa decidir autonomamente, temos (teremos sempre?!) o crivo da aprovação (fiscalização) constitucional da República sobre as decisões políticas legitimamente assumidas na Assembleia Legislativa Regional dos Açores.

A guerrilha da República em torno da aprovação do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores já provou a forma de ser, pensar e estar da Presidência da República em torno das suas regiões autónomas, em particular, dos Açores. Sim, porquanto em relação ao muito que é dito e não é cumprido na ilha da Madeira o silêncio tem sido a palavra de ordem no Palácio de Belém. Apenas interrompido pelo sorriso de uma cagarra na viagem relâmpago (e de demonstração da soberania nacional) às Ilhas Selvagens.

Com isto não pretendo dizer que devemos confrontar ostensivamente a República, nem que devamos utilizar de forma leviana o estatuto que nos rege. Considero, contudo, que o actual inquilino do Palácio de Belém tem um ressentimento para com o devir autonómico, o qual ficou patente na já célebre comunicação ao país de 30 de Julho de 2008. Um momento inolvidável.

Os argumentos utilizados para justificar a promulgação do Orçamento de Estado (OE) para 2014 são válidos para o país mas não o são para os Açores. Existindo ou não dúvidas sobre algumas normas contidas no OE, o Presidente da República não teve dúvidas em promulgar o mesmo, com o objectivo de ver cumpridas as metas orçamentais para este ano e os objectivos com que o país se comprometeu perante os credores externos.

O Representante da República para os Açores não teve o mesmo entendimento quanto ao orçamento regional. No último dia útil de 2013 solicitou ao Tribunal Constitucional a fiscalização preventiva da constitucionalidade da remuneração complementar regional.

Convém relembrar que este diploma existe deste 2000, e sofreu alterações em 2001, 2002, 2010 e 2012, e apenas nesta última alteração é que a mesma suscitou dúvidas ao Representante da República sobre a sua conformidade com o princípio da unidade do Estado, com o princípio da solidariedade nacional e com o princípio da igualdade. Esta opção merece uma leitura atenta e dela devem ser retiradas ilações.

Mais: esta é a primeira vez que um Orçamento da Região é enviado para fiscalização preventiva da constitucionalidade. Um acto de “gravidade política extrema” nas palavras contundentes de Vasco Cordeiro, na declaração que proferiu na sua reacção à decisão do Representante da República.

Para o Presidente do Governo Regional esta opção configura “um julgamento da nossa Autonomia e daquilo que ela significa” para os açorianos. Este sentimento de desconfiança não é de agora e é curioso que o mesmo se manifeste de forma mais intensa num período em que são necessárias medidas excepcionais para conter as vicissitudes de um tempo particularmente difícil na vida de todos os portugueses, perante o qual os açorianos não estão à margem nem são excepção mas que, felizmente, por aqui, se podem socorrer de mecanismos que tentam minimizar os efeitos da atual crise económica.

Este é um caminho diferente do Governo da República, não é uma birra, nem é uma afronta - é uma opção política.


* Publicado na edição de 06/01/14 do AO
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quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Melhores dias virão

Apesar do que nos disse o Primeiro-Ministro - que a economia "começou a dar a volta" e que "os melhores anos ainda estão para vir" - o próximo ano não vai ser nada fácil para a maioria dos portugueses, tal como 2013 não o foi.

Ao contrário dos ministros, dos seus gabinetes e dos partidários da austeridade e do "custe o que custar" a realidade que hoje temos é muito pior do que a que tínhamos antes do exercício deste governo. Não faz sentido apelidar de "milagre económico" os tímidos sinais de retoma que eventualmente possam existir. Sim, porque nem a economia cresce indefinidamente - como já vimos - nem a queda é eterna, como é óbvio. Como escreveu Henrique Monteiro, "o desemprego tem vindo a baixar em relação ao auge, mas está muito acima do que era. Além das considerações anteriores, há que contar com o efeito emigração. Na verdade, se todos os desempregados emigrassem, não haveria desemprego". Algo que muito provavelmente seria do agrado deste governo Passos/Portas. Os sinais são o que são, é certo, mas na sua maioria não decorrem da acção directa do governo, bem pelo contrário. Quanto se fala de exportações ignora-se que na sua maioria estamos a falar da vendas de combustíveis e lubrificantes. E se o saldo comercial é positivo não é preciso exportar muito mais para o conseguirmos. Bastará, para isso, importar muito menos. Uma contingência natural da crise, sendo que sem consumo também não há retoma económica. O que não deixa de ser, na sua essência, uma equação deveras complexa.

Compreendo a necessidade do discurso oficial de transmitir confiança para a economia, para os empresários e para os mercados. Contudo, confiança é coisa que os portugueses não sentem, antes pelo contrário, desconfiança é tudo o que sentem em relação ao governo Passos/Portas. Os sinais que perpassam são contraditórios em relação à acção governamental, mais preocupada em comunicar para fora do que olhar para dentro. Por vezes sinto que os portugueses são um empecilho na acção deste governo, estão a mais no quadro que foi desenhado neste suposto projecto de reforma do país em curso.

A contestação popular que decorre das dificuldades por que todos passamos pode atingir outro significado em 2014. Esta previsão é do Economist Intelligence Unit, um think tank independente do grupo da revista Economist que se dedica à pesquisa, previsão e análise económica e, que coloca Portugal no grupo dos países com “alto risco” de agitação social no próximo ano, quando há apenas cinco anos tinha uma classificação de “risco moderado”. Esta é uma tendência a que temos assistido um pouco por todo o mundo, onde as manifestações no Brasil atingiram talvez uma maior dimensão pela reacção em cadeia que geraram e pelo nível de violência a que assistimos. Mas de acordo com Laza Kekic, do Economist Intelligence Unit, ainda que os problemas económicos sejam sempre um pré-requisito para os protestos, não explicam toda a explosão da contestação. “A redução nos rendimentos e a alta taxa de desemprego nem sempre resultam em agitação social. Só quando os problemas económicos são acompanhados por outros elementos de vulnerabilidade há um alto risco de instabilidade. Tais factores incluem uma grande desigualdade nos rendimentos, um governo fraco, baixos níveis de apoio social, tensões étnicas e um historial de violência e desordem pública. Recentemente, a faísca para os tumultos tem sido a erosão da confiança nos governos e nas instituições: a crise da democracia”, afirma a Economist citando Laza Kekic (Público, 27/12/13). Digamos que em Portugal existem condições para que os protestos possam assumir outra escala e dimensão, extravasando o carácter ordeiro e pacífico que se tem verificado até aqui. E não é Mário Soares que o diz. Quem olha o país a partir do exterior sente a tensão que hoje se vive entre nós. Ignorar isto é, no mínimo, perigoso.

Melhores dias virão, é certo. No próximo ano é que não.


* Publicado na edição de 30/10/13 do AO
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quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Discussão pública

A Secretaria Regional da Educação, Ciência e Cultura tem em discussão pública (até 24 de janeiro) um pacote de diplomas do setor da cultura. As propostas podem ser consultadas aqui.

Fica aqui esta chamada de atenção para que não se diga que nada foi dito sobre os mesmos, o que será, ainda assim, o mais provável.

Espero, igualmente, ter o tempo necessário para efectuar algumas considerações sobre os diplomas em discussão. Espero, não garanto.

segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

A grande ilusão

Perante a leitura que fazemos das contradições, inexactidões e dos constantes desmentidos do porta-voz oficial do(s) ministério(s), no Portugal de hoje existe, uma percepção (quase) generalizada de que nada é consequente ou tem consequências, por mais grave que seja a notícia ou o facto ocorrido.

Talvez por isto, perante uma população adormecida e resignada, o Governo da República em funções não tenha a menor complacência com aqueles que governa, na medida em que foram eles que o incumbiram de uma missão superior - a de expurgar o país dos males que o atormentam, num acto de libertação que mais parece messiânico e decidido a executar os seus objectivos, do custe o que custar, até às últimas consequências.

O Pedro, Primeiro-Ministro, fez disso gala no programa da RTP - ‘O País Pergunta’. Um fato à medida do entrevistado. Ambiente controlado, totalmente previsível e em que todos os gestos foram meticulosamente estudados, como o levantar da cadeira na aproximação da plateia, assim como o tratar o elemento do público (interpelador) pelo nome próprio. Não obstante a bonomia das respostas, o que também ficou patente é que estamos perante um homem simpático, cordial mas totalmente frio, insensível aos problemas (comezinhos) dos portugueses e desconhecedor do (seu) país real.

Nem vou falar da resposta dada à questão sobre as obrigações do serviço público no transporte aéreo para os Açores, tal foi o desrespeito que Passos Coelho demonstrou pelos órgãos de governo próprio da região e pela inteligência dos açorianos, ou pelo desconhecimento que revelou da matéria abordada e pela falsidade na generosidade evocada para a melhor resolução desta questão. Na minha opinião, para ser simpático, tratou-se de um gesto patético.

Vasco Pulido Valente na sua crónica diária no Público fez uma das melhores sínteses que li sobre aquilo que vimos na passada 4ª feira, dia 9 de Outubro: «(…) Na Inglaterra ou na América (onde a RTP foi buscar a inspiração ao velho Face the Nation), o “país” não é um conjunto aleatório e obediente de particulares, que o director de Informação pressurosamente juntou. Quem fala por ele é normalmente um jornalista ou dois, pouco susceptíveis de se intimidarem com o palavreado oficial e capazes de mostrar a verdade que os políticos lhe querem esconder. A segurança da pergunta-resposta não existe. Existe um debate duro (…) Em vez disso, como lhe compete, a RTP preferiu a farsa. Uma farsa que o primeiro-ministro aceitou ou por falta de inteligência ou por um oportunismo pueril e contraproducente».

É com algum receio que concordo com Vasco Pulido Valente mas o facto é que nada foi deixado ao acaso, inclusive, o timing escolhido – a véspera da discussão e apresentação do Orçamento de Estado para o próximo ano.

Se eu falhar a minha missão é o país que falha”, respondeu Pedro (Passos Coelho) a uma das perguntas que o ‘país’ lhe fez. Ao contrário do que disse o Primeiro-Ministro, o país falha, é certo, não por vontade própria mas devido às opções e à acção do governo que ele preside. Não vale aqui um acto de desresponsabilização, seria apenas mais um a juntar a tantos outros desaires governamentais.

Assistimos diariamente à implementação de uma perigosa grande ilusão trasvestida de uma missão imaculada e profética na construção de um Portugal novo. Receio o pior.


* Publicado na edição de 14/10/13 do AO
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terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Jet lag

Em visita oficial à Suécia o Presidente da República resolveu enviar uns recados internos para a nação lusa. Diz o Presidente que não percebe por que razão alguns analistas e políticos nacionais afirmam que a dívida portuguesa não é sustentável, declarando, em jeito de desabafo, que essa atitude é um acto de "masoquismo".

Estas declarações não deixam de ser surpreendentes, na medida em que o Presidente não há muito tempo, no seu discurso de ano novo, reconheceu que a dívida pública, ao nível em que se encontrava (124% do PIB, em 2012, contra os 72% de 2008), não era sustentável para o país.

O Presidente faz o que lhe compete, mas não vale a pena esconder o que todos sabemos. A situação é difícil e os nossos credores sabem-no melhor do que ninguém. Há dados que comprovam a nossa fragilidade. Para isso bastará ler as opiniões (contraditórias) dos elementos da Troika, conferir a classificação das agências de ‘rating’ e verificar que os juros nos mercados internacionais continuam muito acima do sustentável. Há muito especulador no seio deste mercado global mas a Europa, por uma questão de sobrevivência do projecto europeu, não pode deixar cair Portugal no desastre em que colocou a Grécia. E é isto que o Presidente omite. O Governo da República e os partidos que o sustentam vivem numa bolha. Cavaco Silva faz aqui e ali o ‘tudo por tudo’ para que a mesma não rebente.

A este propósito é curioso verificar que, quando em viagem e não raras vezes, os governantes e líderes políticos assumem posições mais ou menos dissonantes daquelas defendidas acerrimamente no rectângulo. Outros há, igualmente, que em viagem oficial e em representação do país ignoram à distância os problemas que deixaram para trás, numa encenação da negação e do silêncio. Será do jet lag?

As eleições autárquicas

Os resultados da noite eleitoral autárquica não deixaram margem para grandes dúvidas. O Partido Socialista ganhou a maioria das câmaras no todo nacional (e regional), naquele que é o maior resultado de sempre obtido por um partido político em Portugal.

Nos Açores, os que vaticinavam que este era o grande teste à liderança de Vasco Cordeiro obtiveram a prova que faltava (se é que faltava!). Apesar da "saborosa vitória" não se pode ignorar a surpresa que constituíram a derrota de Ricardo Silva, na Ribeira Grande, e a de José Contente. Em Ponta Delgada o Partido Socialista apostou forte e perdeu a maior câmara dos Açores. Independentemente das razões que estão na génese deste resultado - mesmo e apesar do PS/A ter melhorado substancialmente os resultados em relação às últimas eleições autárquicas - o projecto apresentado aos munícipes de Ponta Delgada falhou o objectivo. Este é um dado incontornável e não há como ignorá-lo.

Por outro lado, o PSD/A, qual avestruz, enterrou a cabeça na areia, assobiou para o lado e agarrou-se a estas duas vitórias, como se de uma boia de salvação se tratasse, relevando os restantes resultados (a fazer lembrar outra célebre noite de Outubro, em 2009). Duarte Freitas - já se percebeu - será mais um líder a prazo que o PSD/A irá 'fritar' em lume brando.

A abstenção elevada, a duplicação de votos nulos e brancos e o aparecimento (e vitória) de listas de candidaturas independentes são dados que não podem ser negligenciados e constituem indicadores relevantes para a percepção que a opinião pública tem da actuação política.

Os sinais são e devem lidos com preocupação. Os resultados estão à vista de todos.


* Publicado na edição de 07/10/13 do AO
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segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Conversas do «além»















Muito havia a dizer sobre esta matéria.

* Publicado no Expresso de 23/11/13

terça-feira, 12 de novembro de 2013

Em que ficamos?

A campanha eleitoral já lá vai e com ela as eleições. Os resultados serão digeridos nos próximos dias e haverá quem tente justificar o que não conseguiu nas urnas. O voto universal é uma conquista da democracia, com ele garantimos a alternância democrática e o bom funcionamento das instituições. Pelo menos em teoria é assim. Nem sempre a realidade demonstra que tudo funciona da melhor maneira mas utópico será, de facto, pensar que nada falha.

Episódios da história recente do país fizeram com que a opinião popular olhe com desconfiança para a coisa pública, algo que a todos pertence e que mais não é do que o reflexo da sociedade que somos. Contudo, temos sempre uma enorme dificuldade em olhar para nós próprios e é sempre mais fácil encontrar um culpado que seja origem e causa de todos os males que nos angustiam. Com isto não quero desculpabilizar o actual elenco governativo da República, na medida em que têm sido precisamente o actual Primeiro-Ministro, bem como o Presidente da República, os protagonistas de um dos momentos mais negros da história de Portugal.

Está em curso uma acção de desmantelamento do país, construída sobre a égide de uma missão de redenção que insta e alimenta um clima persecutório (e culpabilizante) por forma a anular qualquer hipótese de sublevação pública. O discurso político em vigor coloca - de forma explícita e numa lógica simplista - os bons contra os maus, os velhos contra os novos, o público contra o privado, o pensionista contra o desempregado, o empregado contra o beneficiário da prestação social, o rico contra o pobre, a economia contra a cultura, e por aí em diante.

Os exemplos, infelizmente, não faltam. E em Portugal encolhemos os ombros e convivemos, em modo mais ou menos indiferente, com a sucessão noticiosa surrealista com que temos sido obsequiados todos os dias dos últimos anos. Tornámo-nos ainda mais cépticos mas melhorámos o humor nacional à custa da desgraça que nos rodeia. E de forma mais ou menos assumida e consciente continuamos à espera - provavelmente de modo eterno - de um D. Sebastião que nos tire deste pântano.

A acção política passou a ser alvo de todas as críticas. Perante a opinião pública os políticos são todos corruptos ou corrompíveis. A generalização passou a ser o denominador comum quando nesta como noutra área de actuação há bons e maus profissionais, boas e más decisões. Perante o desinteresse generalizado no processo de decisão política, fruto do défice de cidadania que nos caracteriza, construímos «este sentimento tão sul europeu do 'nós' e do 'eles'» (Rodrigo Viana de Freitas, Público/P3).

E aqui reside grande parte do descontentamento com aqueles que desempenham funções públicas, por eleição ou nomeação. Perpassa a ideia de que há uns que são eternamente sacrificados e outros que vivem à margem de cortes salariais e da perda de direitos e regalias consagrados há muito e fruto de muito trabalho e luta democrática.

Agora é-nos dito que não podemos pagar o país que temos. Contudo, quer agora como antes, existem episódios que dão azo a este tipo de leituras, compreensivelmente menos ponderadas, por parte do cidadão comum. E sabendo que se avizinham medidas de austeridade para o próximo ano é natural que os portugueses reajam com incredulidade quando Passos Coelho promove e aumenta um colaborador próximo ou atribui subsídio de alojamento, com efeitos retroactivos, a quatro secretários de Estado.

Se queremos ser levados a sério não devemos ter grandes dúvidas e hesitações no modo como agimos. Arriscamo-nos a ser eleitos pelo anedotário popular ou condenados à irrelevância. Em que ficamos?


* Publicado na edição de 30/09/13 do AO
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terça-feira, 5 de novembro de 2013

O teste do algodão

A maior cidade dos Açores viveu nos últimos 12 anos uma euforia aparente. Pareceu que, de um momento para o outro, passáramos de um obscurantismo latente a um frenesim mediático em torno do intenso culto a uma personalidade e à consequente construção de uma imagem e de uma persona. O plano foi delineado com toda a minúcia e rigor. Falhar não fazia parte dos objectivos. Nem se olhou a meios, no decorrer dos últimos 3 mandatos, para alcançar os intentos a que a anterior titular do cargo autárquico se propôs. As eleições regionais de Outubro de 2012 não tiveram o desfecho ambicionado e a cidade lá continuou o seu caminho como nada tivesse acontecido.

Aliás, não deixa de ser curioso que nem o nome da antiga presidente de câmara, nem a sua assistência, marcam presença na campanha eleitoral autárquica de Ponta Delgada. Este não é um dado inocente, como não o tem sido o afastamento político do actual presidente e candidato, das medidas e da gestão que (des)norteou a Câmara Municipal de Ponta Delgada nos últimos 3 mandatos.

Ponta Delgada é hoje uma cidade diferente do que era há 10 anos. Talvez não pelas melhores razões. Há novos serviços, da restauração à cultura, e a cidade cresceu - e aqui reside, porventura, o maior dos seus problemas. A ânsia de rasgar a cidade fez com que a expansão urbanística não fosse acompanhada pelo crescimento populacional. A visão megalómana, associada a uma falsa ideia de desenvolvimento por via da construção e da especulação imobiliária, fez com que Ponta Delgada gerasse um anel urbanístico periférico à sua malha tradicional, esvaziando o centro histórico e condenando-o a uma morte lenta. Essa morte é hoje uma evidência e conhecem-se os responsáveis. São os mesmos que hoje negam o óbvio e apresentam ideias para suprir o que até aqui não fizeram.

Esta (des)orientação estratégica, se disso podemos falar, teve os seus frutos: todos os licenciamentos autorizados, nesta última década, permitiram um significativo encaixe financeiro ao município. As manigâncias financeiras permitiram alimentar um clima de celebração e idolatria permanente. Entretanto, a festa acabou e com ela as maravilhas anteriormente anunciadas com toda a pompa e circunstância.

O clima de guerrilha institucional alimentado face ao Governo Regional teve e tem, neste momento, consequências gravosas para a gestão futura da autarquia, cuja acção está manifestamente condicionada, fruto da teimosia na prossecução de objectivos que estavam muito para além da real competência da autarquia, sem preocupações na coordenação de investimentos (ao contrário do que é dito, mesmo pelo actual candidato).

No decorrer do último ano assistimos à aniquilação do modelo de gestão da anterior presidente e à introdução de medidas que contrariam muito do que foi defendido até aqui pelo município. Nada tenho contra a introdução de novas medidas e de soluções que melhor servem os munícipes. No entanto, é de estranhar que alguém que tenha pertencido a um elenco governativo nada tenha dito neste últimos 4 anos, se tenha resignado, para agora vir prometer precisamente o contrário do que anteriormente assinou como vice-presidente.

O exercício de higienização em curso não cola, como o teste do algodão também não engana.


* Publicado na edição de 23/09/13 do AO
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quarta-feira, 30 de outubro de 2013

O vazio é total

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Estamos disponíveis para alterar este estado de coisas?!

A campanha eleitoral começa oficialmente amanhã, 3ª feira, 17 de Setembro. Actualmente, não sei em que difere a ‘pré’ da ‘campanha’ propriamente dita: há noticias todos os dias, as máquinas partidárias desdobram-se em iniciativas e os cartazes são nossos vizinhos há já largos meses. Por isso, sinceramente, não sei o que muda. A intensidade ou o ritmo mais frenético com que tudo isto acontece? Será que o discurso também subirá de tom? Até ao momento tem sido delicodoce, sem grandes rasgos e promessas de tempos idos. Aliás, esta tem sido uma campanha eleitoral “discreta”.

O discreto aqui não significa que a mesma está a ser monótona ou desinteressante. Bem pelo contrário: estas últimas semanas têm registado decisões pouco dadas as convenções e que têm provocado reacções em cadeia sobre algo que é, ou tem sido, demasiado previsível.

A decisão do Tribunal Constitucional (TC) sobre a Lei de Limitação de Mandatos, a menos de um mês das eleições autárquicas, é um destes casos inusitados. Perante a trapalhada legislativa que suscitou dúvidas ao Presidente da República, a mesma foi viabilizada pela segunda vez, sem apelo nem agravo, na Assembleia da República. A polémica assumiu a ordem do dia e foi necessário o recurso ao TC para dissipar todas as dúvidas. Os juízes decidiram que a limitação dos candidatos com três ou mais mandatos autárquicos é apenas territorial, pelo que os mesmos podem concorrer a outro município. Considero que esta terá sido uma situação meticulosamente orquestrada para terminar como terminou e num prazo ‘in extremis’. Esta decisão vem tornar a lei inócua e em nada corresponde aos princípios orientadores que estiveram na sua concepção. Todo o espectáculo em torno das candidaturas autárquicas mais mediáticas, e suspensas até esta decisão do TC, em nada abonam a política ou os responsáveis políticos e agudizam ainda mais o sentimento de injustiça (e imoralidade) com que a população olha para quem gere os destinos da nação.

Do mesmo modo que a decisão da RTP, SIC e TVI de não efectuar a cobertura mediática da campanha eleitoral autárquica é algo completamente inédito em quase 40 anos de democracia em Portugal. Esta é já uma questão antiga mas nunca foi tomada uma posição tão extrema como esta. Os directores de informação dos 3 canais de televisão confluem nos argumentos e justificações para uma solução que visa contornar a “interpretação restritiva” que a Comissão Nacional de Eleições (CNE) e os tribunais fazem da lei eleitoral autárquica. Esta lei exige que todas as candidaturas, independentemente da sua dimensão ou influência, tenham igual tratamento por parte dos órgãos de comunicação social. Algo que o legislador já devia ter acautelado mas não o fez. Talvez, com esta tomada de posição, o caso venha a mudar de figura. De momento, esta é uma premissa, lá como cá, muito difícil de alcançar e cuja operacionalização pode, por vezes, revelar-se um “absurdo”.

Perante esta decisão o que dirá a Assembleia Legislativa Regional dos Açores: aprovará novo voto de protesto ignorando por completo as condições de trabalho e financeiras do canal de serviço público regional de rádio e televisão?!

Ao contrário do que diz o Primeiro-Ministro, nas críticas que desferiu ao TC, tornou-se clarividente a importância da existência do mesmo como “um último anteparo antes da desobediência generalizada perante leis aprovadas em sistemas democráticos mas percebidas, pela generalidade de indivíduos, como moralmente injustas” (Gustavo Cardoso, Público, 13/09/13).

Esta percepção pública, de injustiça generalizada, tem afastado a maioria da população da participação massiva nos actos eleitorais. A abstenção continuará a ser motivo de debate e de indignação na noite eleitoral. No meu modesto entender as razões que a justificam são por demais conhecidas dos intervenientes.

Mas será que estamos disponíveis para alterar este estado de coisas?!


* Publicado na edição de 16/09/13 do AO
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quinta-feira, 17 de outubro de 2013

segunda-feira, 30 de setembro de 2013

É Preciso Ir

A exibição regular de cinema comercial voltou a estar disponível em São Miguel e em Ponta Delgada, em particular.

A interrupção das sessões regulares de cinema apanhou todos ou quase todos desprevenidos. Não faltaram vozes a exigir a reposição do cinema. Não faltaram também aqueles que se colocaram em bicos de pés a tentar marcar uma posição ou a esgrimir argumentos sobre uma actividade cujo funcionamento desconheciam (e pela qual nunca se interessaram). De um momento para outro a maior cidade dos Açores ficou sem exibição regular de cinema comercial. Esta foi, até à passada 5ª feira, uma situação incontornável. Na base deste problema esteve o pedido de insolvência da segunda maior distribuidora de cinema em Portugal, a Socorama - Cinemas, detentora da marca Castello-Lopes que encerrou 49 salas nos centros comerciais da Sonae Sierra, entre as quais as 4 de Ponta Delgada.

Mas esta história do fecho de salas de cinema não começou aqui. Primeiro foi o São Pedro Triplex que encerrou, e logo depois as 2 salas do Centro Comercial Solmar tiveram o mesmo desfecho. A abertura do Parque Atlântico, com um complexo de lojas associado, bem como 4 novas salas com condições de projecção e conforto superiores às existentes e uma programação ao sabor do gosto maioritário, foi determinante no destino daquelas salas. Mais: neste mesmo período foi retomada e descontinuada a exibição de cinema em vários pontos da ilha, nomeadamente, na Lagoa, Ribeira Grande (2 salas), Nordeste ou na Vila de Rabo de Peixe, por exemplo. Além disso, a oferta terá sido desproporcional ao público cinéfilo residente, com custos agravados na gestão corrente em termos de oferta e da procura. O declínio e as salas vazias ditaram o encerramento de quase todas elas.

Nos últimos anos a inovação tecnológica facilitou os custos da operação, mesmo e apesar do investimento necessário para a exibição digital, mas tornou tudo ainda mais difícil para os que não puderam acompanhar este processo. Hoje em dia, o número de filmes disponíveis em película (35mm) é residual. Os filmes da grande distribuição existem, na sua esmagadora maioria, em formato digital. Quem não dispor deste equipamento fica fora das grandes estreias, do 3D, e dos filmes que a maioria da população procura ver.

Contudo, não basta lamentar a perda do cinema. Como não basta lamentar o encerramento de algumas instituições e actividades associadas àquilo que agora se convencionou chamar indústrias culturais e criativas. Se o cinema encerrou em Ponta Delgada é porque eram poucos aqueles que lá iam. Os hábitos de fruição estão em profunda mutação. Mas não quero parecer um dinossauro a defender algo cujo fim é inevitável. Para que tal não volte a acontecer não basta o muro de lamentações na timeline das redes sociais, é preciso ir!


* Publicado na edição de 09/09/13 do AO
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