quarta-feira, 15 de maio de 2019

Vertigem

A cadência com que se anunciam novos investimentos imobiliários e turísticos é, deveras, vertiginosa.

Esta semana não foi excepção.

Através da comunicação social fomos informados que irá ser construído um empreendimento turístico na Rua de Lisboa, onde antes esteve projectada uma Central de Camionagem (entretanto engavetada), por um dos principais grupos hoteleiros a operar em Portugal.

Ponta Delgada, e a ilha de São Miguel, vivem uma forte dinâmica económica incrementa pelo crescimento do sector turístico.

A diversificação económica é importante para quebrar períodos de menor crescimento ou de crise.

Não o ignoramos.

No entanto, receio que não haja capacidade para suster o ímpeto, interno e externo, em torno do investimento no sector turístico.

Somos demasiado apetecíveis e muito condescendentes com quem nos afaga o ego, afirmando que as ilhas são um “paraíso” (mas cuja acção no território segue em sentido contrário).

Nesta medida, teria sido pertinente que tivéssemos trocado umas ideias sobre o assunto para que, na situação em que nos encontramos, pudéssemos agir (antecipadamente) na implementação de medidas de planeamento (e restrição), sobretudo, em áreas sensíveis.

A nossa atitude é, na maioria das vezes, passiva e reactiva.

Perante um certo imobilismo, ficamos reféns do investimento que nos propõem e mimetizamos exemplos de desenvolvimento que não são compagináveis com a realidade (social e económica) desta(s) ilha(s).

Volto ao início deste texto para referir um fenómeno, do qual, por cá, pouco ou nada se fala, e que tem, é certo, maior incidência, nacional, em cidades como Lisboa e Porto: a gentrificação.

E o que é isto da gentrificação (do inglês ‘gentrification’)? Para o Priberam, trata-se de um “processo de valorização imobiliária de uma zona urbana, geralmente acompanhada da
deslocação dos residentes com menor poder económico para outro local e da entrada de
residentes com maior poder económico.”

Não detemos a mesma escala de uma grande cidade mas os efeitos são equiparados e fazem-se sentir por toda a ilha, em particular, na cidade de Ponta Delgada e em zonas com valor imobiliário acrescentado, onde se observa o aumento significativo do valor de venda e de renda das casas (quando as há), a proliferação de estabelecimentos de alojamento local e, por exemplo, o encerramento de lojas históricas, com a inerente perda de identidade (rumo à homogeneização).

Mas nem tudo é negativo. Se o incremento turístico não existisse o centro histórico de Ponta Delgada estaria moribundo, a reabilitação urbana em curso é (muito) positiva mas é obra que resulta de uma situação fortuita.

Este investimento (incontrolado) será sustentável (para usar o adjectivo que nos serve de “mola”)? Andamos demasiado inebriados com os resultados do crescimento turístico? Ou nem sequer ousamos colocar a hipótese dele um dia se extinguir?

Acredito que a resposta está no equilíbrio (exigente) e na coabitação de interesses dos vários intervenientes (públicos e privados).

E para que isto possa resultar, será necessário exigência, responsabilidade e competência.

Contudo, a vertigem é grande.

* Publicado na edição de 13/05/19 do Açoriano Oriental
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sexta-feira, 3 de maio de 2019

À procura do próximo Ronaldo

Num tempo onde discutimos os benefícios do incremento da actividade física, a prática desportiva, que lhe está subjacente, visa a melhoria da qualidade de vida das populações e promove a competição (saudável) entre os indivíduos.

Na essência é assim, na prática nem sempre.

A política é (por esmagadora maioria) o alvo quando se falam de “casos” em Portugal, enquanto o futebol, em particular, é idolatrado e glorificado, mesmo e apesar dos impropérios, cujos sucessos (individuais) são avançados como referência para aquilo que o país deve (ou devia) ser.

Ele (futebol) está presente em quase tudo, os (piores) exemplos enchem a programação das televisões com vedetas de ocasião, e egos a condizer, distribuindo ressentimento e ódio a quem vê ou por lá, infelizmente, passa.

A irracionalidade clubística, seja em que modalidade for, incluindo, a política, não augura nada de bom, sendo que a incapacidade de olhar para além do desempenho da nossa equipa, por regra, não colhe bons frutos.

A actividade desportiva em torno do futebol é um grande negócio, com múltiplas ramificações e interesses, não podemos ignorá-lo, muito menos escamoteá-lo.

A intenção do alargamento de 10 para 12 clubes no Campeonato de Futebol dos Açores, só porque sim, deve servir de motivo à reflexão dos agentes desportivos.

Em entrevista ao Açoriano Oriental (26/04/19), António Gomes, o Diretor Regional do Desporto, refere que, mais do que as questões económicas, importa “verificar se as condições de base em termos do número de equipas garantem de forma valiosa as provas de ilha e se existem indicadores que assegurem esse futuro.

Esta não é uma questão menor, e acrescento mais algumas: fará sentido depreciar a formação de atletas formados nos clubes em detrimento da importação de jogadores (aparentemente de forma indiferenciada)? Estão garantidas as condições (logísticas e financeiras) para que este aumento do número de equipas no campeonato regional se verifique ou vivemos na expectativa do reforço orçamental (por subvenção pública)? Temos (a região) condições para apoiar todas as equipas/participantes que (seja em que modalidade for) subam de divisão?

Como resposta plausível, considero fundamental que seja definido um plafonamento do valor máximo de apoio a atribuir por equipa/modalidade. Garantido, deste modo, uma previsibilidade aos clubes para definirem, com rigor, os objectivos de cada temporada.

O que não faz sentido é que intendem o mesmo fim, sabendo, de antemão, que não existem apoios disponíveis (públicos e privados) que possibilitem uma participação ao mesmo nível (e ao alcance de todos).

Manifesto (também) esta minha preocupação por aquilo que assisto, semanalmente, nos campos da ilha e nos jogos de futebol dos escalões de formação. A distância é grande entre aquilo que se apregoa e o que se ouve fora do campo. Os pais nem sempre dão o melhor exemplo. E os clubes também não. Sobretudo, quando são permissivos perante as atitudes de quem assiste aos jogos.

A formação (a educação e a pedagogia) interessa(m) a quem? Ou andamos (apenas) à procura do próximo Ronaldo?

* Publicado na edição de 29/04/19 do Açoriano Oriental
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quarta-feira, 24 de abril de 2019

Solidão (e distância)

Esta é uma época em que a razoabilidade passou a ser sinónimo de fraqueza, na qual o tempo convoca ao imediatismo, reproduz antagonismos e cuja vontade não é compaginável com a incerteza.

Para o filósofo Roberto Macini “parece claro que a nossa sociedade é constituída por uma humanidade que não se vê a si mesma, que não tem uma autoconsciência”, passando a agir reactivamente a partir de “solicitações do imediato e movida por paixões como o medo, a angústia, o prazer e a raiva” (José Tolentino de Mendonça, 29/03/19).

Atravessamos um período de profunda mutação (social e económica), no qual as transformações operadas acontecem a uma velocidade muito superior à nossa capacidade de adaptação.

Esta aparente incapacidade atingiu “as estruturas tradicionais como a família, a escola, a comunidade” ou “o sistema de proteção social”, os quais têm sido alvo de um “processo de erosão” e estão, neste momento, mais vulneráveis. A reacção das pessoas não se tem feito esperar e temos assistido, de forma transversal, ao “crescimento de movimentos de impotência, humilhação e raiva” (José Tolentino de Mendonça, 29/03/19).

Perdemos, simplesmente, a confiança nas pessoas, e nas instituições, ou passamos a ter uma visão mais crítica sobre quem conduz o destino das nossas vidas? Ou porque, expectavelmente, nos tornamos mais cínicos e cépticos a partir deste devir individualista (contemporâneo)?

Uma leitura menos informada do círculo noticioso promove um sentimento de descrença e “o enfraquecimento do poder simbólico das instituições” (ou a acelerada capacidade de comunicação) permite que “o medo se difunda instantaneamente e por toda a parte”.

A política de casos tomou conta da agenda, as questões que implicam, verdadeiramente, com o nosso futuro colectivo são, quase sempre, tratadas com menos atenção, na medida em que geram audiências menores (= menos vendas, menos receita).

As eleições europeias estão à porta mas parecem pouco importar, naquelas que são, muito provavelmente, uma das mais importantes das últimas décadas. O desafio do presente (futuro) é demasiado esmagador para ser negligenciado (ou reduzido à visita do candidato que vem aos Açores e cujo partido, aparentemente, o ignora).

Não nos podemos abster de participar nesta discussão: face ao “sonho europeu” que ameaça esboroar-se; à enorme importância para as regiões ultraperiféricas dos fundos estruturais; e o perigo que representa o crescimento dos movimentos populistas (nacionalistas) que apresentam como solução final (para os problemas desta Europa) o expurgo de tudo (e todos) os que não se encaixam na ideologia (e no género).

Se nada for alterado, a clivagem crescente entre europeus (ricos e pobres) irá agudizar-se e tenderá a ser um imperativo, cuja resolução passará, inexoravelmente, por uma melhor redistribuição da riqueza produzida.

O meu apelo vai no sentido de incutirmos a normalização do bom senso (não confundir com senso comum) na gestão da coisa pública (regional, nacional e europeia), abrindo espaço à convergência e à construção de um desígnio comum.

Não nos iludamos na solidão (e distância) da ilha, importa repensarmos o nosso papel no mundo.

* Publicado na edição de 22/04/19 do Açoriano Oriental
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segunda-feira, 15 de abril de 2019

Parados (na contemplação)

À semelhança do que aconteceu na época dourada do comércio da laranja para Inglaterra, é fundamental reflectir sobre a necessidade de diversificar a actividade económica da ilha, assim como, os mercados que servimos e o que exportamos.

Centrar todo o peso da economia do arquipélago - na pastagem, no bife, no queijo e na manteiga, pode até, no curto prazo, ser (muito) rentável. Mas, como já nos foi dado a conhecer, os hábitos dos consumidores estão em profunda mutação, seja pela maior sensibilidade da opinião pública para as questões ambientais provocadas pela produção (intensiva), quer, inclusive, para uma maior atenção em torno de uma alimentação mais saudável e que passará, forçosamente, por um menor consumo de proteína animal.

Esta é uma tendência global (ocidental) e uma evidência científica, ignorar a questão pode resultar num grave prejuízo colectivo.

Neste processo de diversificação também não faz sentido que se abandone, radicalmente, o modelo de produção vigente, substituindo-o por outro, para o qual a cadeia de valor transfere todo o seu capital gerando, apenas, um novo ciclo de monocultura.

Assistimos, localmente, não raras vezes, à ausência da inovação para se corporizar algum seguidismo no investimento (económico). Pausa para um exemplo. Se em determinada rua abre uma pizzaria, nessa mesma artéria irão abrir, com toda a certeza, mais dois ou três estabelecimentos idênticos. É uma questão de fazer as contas. Numa escala como a que existe na(s) ilha(s), a complementaridade e as parcerias deviam fazer parte da genética do nosso modelo económico. Infelizmente, não é isto que se verifica.

Neste momento, a actividade turística é o motor da economia, arrastando uma forte dinâmica de investimento e que passa, na sua esmagadora maioria, por um forte incremento da reabilitação urbana (transversal a muitas freguesias destas ilhas). Na inexistência de políticas publicas dirigidas ou capazes de revitalizar ‘per si’ a reabilitação (urgente) do património construído, em detrimento de conjuntos arquitectónicos de pouco valor acrescentado, muitos têm sido os proprietários que têm apostado em recuperar imóveis devolutos e degradados, alterando, sobremaneira, a paisagem urbana e rural.

O mérito desta corrente (iniciativa privada) não pode ser executada sem o cuidado acompanhamento das entidades públicas, com risco de caminharmos em sentido único e de chegarmos, inevitavelmente, a um beco sem saída.

Isto porque, a proliferação de empreendimento turísticos (em formato AL mas não só) faz com que haja o risco (crescente) de não existirem lençóis (e turistas) para tantas camas.

O passado (recente) devia servir-nos como aviso (e metáfora) para a necessidade imperiosa de implementarmos um planeamento estratégico (e sim, verdadeiramente sustentável), de olhar a realidade com pragmatismo e não nos deixarmos cair na mão de uma nova classe de ilusionistas.

Termino com uma passagem de Maria Filomena Mónica (“Os Cantos”, Alêtheia 2010), na qual interpreta um texto crítico de José do Canto dirigido aos seus conterrâneos (acerca do desenvolvimento de São Miguel na segunda metade do século XIX): “Não eram apenas os trabalhadores que causavam o atraso da ilha; eram-no também, e por culpa maior, os proprietários. Por muitos progressos que se tivessem verificado, poder-se-ia produzir melhor. A ilha deveria tentar emular os campos ingleses e não ficar parada na contemplação das benesses obtidas.”

* Publicado na edição de 08/04/19 do Açoriano Oriental
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sexta-feira, 12 de abril de 2019

Narcisistas

O calendário foi alternando o mês e a data mas a romaria anual à BTL (Bolsa de Turismo de Lisboa) não esmoreceu, é marca indelével da temporada pré-estival.

Por estes dias marcar uma reunião (na ilha) será mais fácil em Lisboa, cidade na qual podemos encontrar o(s) nosso(s) player(s) no epicentro do tabuleiro da bolsa turística.

Anos houve em que a atenção estava centrada no número de turistas que vinham para o arquipélago. Agora que os temos, pelo menos em número relativamente profuso em São Miguel, todas as outras ilhas querem beneficiar, em simultâneo, e na mesma ordem de grandeza, deste pretenso desenvolvimento e retorno económico.

Como já aqui referi, em diversas ocasiões, a escala e as múltiplas dimensões ao dispor do turista (na ilha grande) não são replicáveis na oferta da maioria das outras ilhas, cada qual tem de (primeiro) identificar o que a distingue e caracteriza, para depois poder capitalizar o que tem de melhor e não (procurar) mimetizar o que as outras (também) têm.

Só assim poderemos falar de diferenciação e de sustentabilidade (e aqui confesso-vos que começa a ser difícil referenciar esta adjetivação quando ela é, em si, um paradoxo e é dada como exemplo para iniciativas que são tudo, menos aquilo que afirmam ser).

Persistimos em preconizar opções de investimento desajustadas (numa realidade que diz ser, ou quer ser, diferente), tendo presente os erros cometidos no passado (recente), catapultados por um crescimento em que ninguém acreditaria (há apenas cinco anos), e não há, ou tem existido, infelizmente, tempo para planear (e pensar).

Estes são dias reactivos, propensos a dislates e à mercê de quem nos tenta vender com recurso a referências (e a comparações) de outras latitudes.

Algum trabalho de consultadoria (externa) descura a realidade insular, ignora as diferenças e acha que podemos todos agir de forma modelar e uniforme. O resultado? Uma região que não fala a 1 só voz mas que se multiplica por 9 (ilhas), 19 concelhos e 156 freguesias (e que ainda soma um conjunto significativo de paróquias e grupos de interesse).

Ao final de quase duas décadas (de acompanhamento a este ritual associado à BTL), continuamos obcecados em comunicar para dentro quando devíamos, essencialmente, estar em diálogo com o exterior.

E com a Madeira (mesmo ali ao lado), já devíamos ter aprendido com muito da sua participação e postura. O orgulho com que defendem o que é “seu” devia servir-nos de modelo (de como fazer e saber estar). Ao invés, andamos entretidos com diatribes que vão do design do stand ao destaque que cada ilha, e cada concelho, esperaria ter.

Este ano a Cultura foi tema para a promoção de uma “BTL Cultural”, em parceria com a Fundação Calouste Gulbenkian que, para além de promover “conteúdos turísticos e ser uma área de promoção junto do grande público”, permitiu discutir “o papel da Cultura no desenvolvimento Económico e Social”. Para falarmos deste impacto importará, primeiro, saber do que está a falar, e segundo, não confundir património, identidade e criação artística com entretenimento. Em terceiro, a Cultura pressupõe investimento. Algo que nem sempre acontece mas cuja relevância simbólica é, na maioria das vezes, referida e destacada.

A este propósito, resgato a opinião de Alfredo Barroso (11/03/19) para ilustrar estes dias: “esta é uma sociedade em que a memória se esfuma num ápice e o prazer narcísico se insinua nos ecrãs dos televisores e dos smartphones. Ambos proporcionam instantes de glória efémera que os narcisistas almejam.”


* Publicado na edição de 18/03/19 do Açoriano Oriental
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segunda-feira, 18 de março de 2019

Um escritor tem de ser lido

Nos Açores, é rara a semana onde não exista uma apresentação ou um lançamento de um novo livro.

Paradoxalmente, em muitas ilhas não existe uma livraria e as poucas que existem, dignas desse nome, lutam pela sua sobrevivência, face às contingências de um mercado global e de uma concorrência difusa, onde o livro é tratado como uma mercadoria indiferenciada, das grandes superfícies (supermercados e hipermercados) aos portais online (de fácil acesso e com portes de envio gratuitos).

Num mundo em mudança (acelerada), os hábitos dos consumidores privilegiam o imediatismo e menos a personalização do livreiro (e a qualidade do serviço usufruído).

O espaço livraria tende a ser um habitáculo de muitas culturas, sejam elas digitais ou de entretenimento, onde o livro coexiste e resiste (sendo que já não podemos dizer o mesmo, relativamente à música e aos filmes, por exemplo, cujo processo de desmaterialização é por demais evidente).

Contudo, não dispomos de muito dados sobre o mercado editorial português, e menos ainda do regional (se é que podemos tratá-lo como tal), mas é um dado reconhecido, por todos os intervenientes directos, que a “contração do mercado de venda de livros não voltou a registar o volume de vendas dos anos anteriores à crise económica, à qual também não escapou a própria concentração de pequenas e médias editoras em grandes grupos editoriais” (DGLAB).

Paralelamente, e em contraciclo, têm surgido um número significativo de pequenas editoras, propriedade, por exemplo, de profissionais excedentários dos grandes grupos editoriais, cuja atividade prima por uma abordagem inovadora, com títulos especializados, tiragens baixas e arrojo gráfico.

Num território onde os livros são profusamente editados, sejam através de editoras ou por edição de autor, como é que estamos de leitores? E será que todos os livros são merecedores da mesma atenção?

A crítica literária (cultural, teatral, musical e artes plásticas) é, também ela, um objecto raro. Importa esclarecer que não sou contra a pluralidade editorial (e cultural), temos é de perceber que nem tudo o que é editado tem a mesma qualidade, nem pode ser equiparado (esta observação é válida para todas as áreas artísticas). Daí que seja fundamental a existência de um intermediário (crítico), entre produtor e receptor, por forma a identificar uns e outros.

Do mesmo modo que um espectáculo carece de espectadores, um escritor (ou um livro) tem de ser lido para fazer cumprir o seu ideário.

O incentivo à edição não pode estar dissociado de um eficaz plano de leitura, da difusão do livro e no incremento do acesso à extensa rede de bibliotecas (escolares, municipais e públicas) que temos ao dispor (no arquipélago).

A melhoria do nosso ranking, como indivíduos e como sociedade, também passa, muito, por aqui.

* Publicado na edição de 25/02/19 do Açoriano Oriental
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segunda-feira, 25 de fevereiro de 2019

(Melhores) conteúdos

Nesta página, e nas que se seguem, os assuntos são múltiplos mas versam, na sua maioria, quase, sempre, o mesmo: a política e os seus protagonistas.

Muitos dos que aqui colaboram, escrevem (gratuitamente) por prazer, por vaidade, como terapia, para o colega do lado ou para um núcleo muito restrito daqueles que, ainda, lêem jornais e, estão familiarizados, em pagar por eles.


Por estes dias (difusos) são cada vez menos os que pagam pela assinatura de uma publicação, sendo que muitos migraram para o digital ou acabam por aceder aos jornais no café (que por cá os disponibiliza gratuitamente).


Contrariamente ao que alguns possam supor, este não é um problema, eminentemente, local, é um desafio global. A questão local acarreta outros contornos, em que a dispersão geográfica e a reduzida escala, destes calhaus, agravam, sobremaneira, as opções editoriais e, por consequência, as económicas.


De um modo generalizado, as empresas de comunicação estão a atravessar por um tempo de enormes constrangimentos, provocados, em grande parte, pela perda de receitas (mas não de leitores). O custo da publicidade desceu drasticamente, o investimento publicitário não desapareceu, migrou, isto sim, para outras plataformas, onde hoje é possível definir, com enorme rigor, o público-alvo que queremos atingir, seja por área geográfica, por idade ou, simplesmente, pelos seus hábitos de consumo.


Neste sentido, os meios tradicionais, jornais, rádios e, inclusive, televisão, estão imensamente pressionados para conseguir ultrapassar este estado de coisas.


A posição dos gestores tem sido a de cortar (cegamente) os custos, para reduzir brutalmente a despesa, não raras vezes naqueles sectores que são primordiais para manter a existência (ou a qualidade) de um determinando serviço. Existem mais-valias que não são mensuráveis, pelo que a resposta a um corte, são novos cortes, até a uma degradação generalizada.


Parte da solução passa(rá) por responder de forma diferente e não através de soluções passadas para desafios do presente (e do futuro). A questão está, acredito, na disponibilização de melhores conteúdos e na forma (meios) como estes chegam às pessoas. Tal como em outros serviços, a imagem e o preço contam, o cliente está mais exigente (e já não compra tudo o que lhe oferecem, opta e faz escolhas).


E por hipótese, no caso de não exis
tirem consumidores para o produto que disponibilizamos, fará sentido falarmos da prestação de um serviço público sem destinatário(s)?

Para que isto não seja mais gravoso, é necessário perceber quem são os receptores, sendo que os Açores de hoje, por mais incrível que isto possa parecer a alguns, já não são os mesmos daqueles que conhecemos na década de oitenta.

O tempo é de especialização, do trabalho para nichos (de mercado) e para comunidades singulares. 
O desafio do presente é o de produzir conteúdos complementares aos que estão acessíveis na box lá de casa. E, compreender, de uma vez por todas, que o jornal (local e nacional), a rádio e a televisão pública já não são os nossos (únicos) canais de ligação ao mundo.

* Publicado na edição de 11/02/19 do Açoriano Oriental
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segunda-feira, 11 de fevereiro de 2019

Notoriedade e ambiguidade (cool)


Num mundo cada vez mais globalizado (massificado e homogeneizado) assistimos tendencialmente, e paradoxalmente, talvez, a fenómenos mais conectados com o local, em contrapondo com o global.

Pode até parecer uma contradição mas num tempo em que o discurso é preenchido com megabytes, fibra óptica e wifi, são cada vez mais os exemplos dos que regressam ao campo, na procura de um modo de vida mais tranquilo, reabilitando usos e costumes que se julgavam (irremediavelmente) perdidos, na voragem de um tempo pleno de insatisfação, saciado, apenas, pela alienação consumista (de preferência online).

Estes são dias de transição, inconstância e desigualdade, liderados por egos desmedidos, mascarados de benevolência nacionalista e populismo a la carte.

Coincidentemente, ou não, há uma maior consciência colectiva para a necessidade de reduzirmos a nossa pegada ecológica, quer pelos sinais que o planeta nos transmite, de forma cada vez mais devastadora, quer por aquilo que consumirmos e, por consequência, pelos resíduos que produzimos.

É neste sentido que se verifica uma crescente atenção pelo que é artesanal, seja pela reciclagem de uma peça de mobiliário ou pela produção/aquisição de um produto hortícola. Concomitantemente, existe uma maior sensibilidade para a importância de adquirirmos produtos locais, com reduzido impacto ambiental e de importância fundamental para a manutenção e progresso das comunidades, sobretudo, em meio rural.

A ilusão simbólica da voracidade contemporânea faz com que tudo aparente estar próximo, acessível e descartável, “não há abrandamentos, nem paragens, nem sequer pausas, senão aquelas que são obrigatórias por regulamento, pressão, convenção ou vaidade. Vivemos sempre com o telemóvel na mão (…).” (José Manuel dos Santos e António Soares, Editorial, Revista Electra nº3).

E aqui chegados, sublinho o artigo que a revista Forbes publicou, recentemente, onde identifica os 10 países mais “cool” para visitar em 2019.

Portugal lidera este restrito Top10, única e exclusivamente, por referência aos Açores.

Este é, muito provavelmente, o culminar de um trabalho em prol da notoriedade do destino Açores (num processo há muito iniciado).

Pode até parecer ambíguo e contraditório o momento em que nos encontramos, na medida em que necessitamos do crescimento turístico mas sem que este coloque em risco a sustentabilidade ambiental do arquipélago (sendo que o crescimento da actividade turística é vital para recapacitar a economia).

Como é que podemos (e devemos) concretizar este (ténue) equilíbrio? Nunca pelo incremento quantitativo de reduzido valor acrescentado mas, sim, pelo aumento qualitativo da receita associada ao produto disponibilizado.

É neste capítulo que devemos activar a notoriedade obtida em publicações com a importância da Forbes, e de outras suas congéneres, com ênfase na riqueza da autenticidade do local. Devemos evitar, a todo o custo, a vertigem pelo facilitismo e pelo lucro a qualquer preço.

Mais do que palavras, importa agir de forma concreta e substantiva, num tempo em “a velocidade, ao anular as distâncias, anulará também as diferenças entre os lugares, por toda a parte arrastando os peregrinos do prazer para os mesmos sons e as mesmas luzes factícios, os mesmos monumentos tão ameaçados nos nosso dias como os elefantes ou as baleias (…)” (Marguerite Yourcenar, “O Labirinto do Mundo”).

Este é hoje um desafio com que muitos destinos turísticos se digladiam, pois “de tudo e com tudo se faz turismo”, o qual implica, forçosamente, planeamento, monitorização e decisão, naquela que é uma “viagem sem fim, a não ser o nosso.”

* Publicado na edição de 14/01/19 do Açoriano Oriental
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segunda-feira, 26 de novembro de 2018

Ponta Delgada Capital Europeia da Cultura 20!!

Um conjunto significativo de municípios portugueses - Aveiro, Braga, Caldas da Rainha, Cascais, Coimbra, Évora, Guarda, Faro, Leiria, Oeiras, Viana do Castelo e Viseu - está (manifestamente) empenhado na corrida à organização da Capital Europeia da Cultura (em 2027, daqui a nove anos).

A maior parte destas cidades já consolidou uma equipa para preparar o seu projecto de candidatura, cujo desfecho será conhecido, após um intenso e criterioso processo de avaliação, até 2023.

Para melhor compreendermos as razões deste ímpeto nacional, reproduzo os objectivos específicos desta acção (Decisão nº 445/2014/UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 16 de abril de 2014): “Reforçar o alcance, a diversidade e a dimensão europeia da oferta cultural nas cidades, nomeadamente através da cooperação transnacional; Alargar o acesso e a participação na cultura; Reforçar a capacidade do setor cultural e as suas ligações a outros setores; Melhorar o perfil internacional das cidades através da cultura.”

Esta será a quarta vez que Portugal acolhe esta organização, depois de Lisboa (1994), Porto (2001) e Guimarães (2012). Apesar de todos os percalços (lusos) decorridos nas edições passadas, ninguém ignora os benefícios que advieram para a vida destas cidades.

Recupero este tema, na medida em que assisti (maio de 2015), incrédulo, reconheço, ao anúncio de intenção da cidade de Ponta Delgada concorrer a (esta) Capital Europeia da Cultura.

Passados três anos, pouco ou nada se sabe sobre este acto de fé. Desconhecemos a continuidade do processo, se apenas foi uma mera peça burocrática e ficou na gaveta, ou se, inclusivamente, nunca houve vontade, nem intenção em concretizar esta “meta” delineada no Plano Estratégico de Desenvolvimento de Ponta Delgada - 2014/2020.

Em fevereiro de 2016, no resgaste desta cronologia, a autarquia anunciou a instalação da Comissão Municipal de Cultura (chegou a existir?), sendo que convidou para presidir a este órgão o professor Carlos Cordeiro. Infelizmente, já falecido. E, desde esta data, nunca mais se ouviu falar sobre este assunto.

Este anúncio levou a que os agentes culturais da cidade (e da ilha) tivessem ficado expectantes quanto ao desenlace deste desígnio. Perante as evidências, a desacreditação é total.

Não podemos balizar a estratégia cultural para o município (e até para a região) em eventos (leia-se ‘inventos’) temporários. O evento passou a ser a força motriz da programação cultural.

Tudo carece de um carácter festivo para justificar a sua existência. A efemeridade tudo importa. A regularidade e a sedimentação de hábitos (de público e de acessibilidade) dá mais trabalho e tem menos visibilidade, se comparada com a profusão de partilhas, likes e notícias avulso.

Andamos inebriados com a possibilidade de algo acontecer mesmo que não saibamos, em concreto, ao que vamos.

A decisão da autarquia de Ponta Delgada em consubstanciar este objectivo foi realista, teremos capacidade de realização (e conteúdo artístico) para dar corpo e dimensão a um projeto com esta exigência?

Existiu ponderação ou até mesmo uma auscultação às restantes entidades públicas e regionais antes de sublinhar este “enorme esforço coletivo”?

Importa melhor conhecer o território onde habitamos para depois almejarmos ser mais do que aquilo que somos.

O tempo encarregou-se de nos dar a resposta.

* Publicado na edição de 19/11/18 do Açoriano Oriental
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segunda-feira, 19 de novembro de 2018

Energia (uma mudança de paradigma)

As alterações climáticas estão no topo da agenda, não apenas pelo número crescente de fenómenos climáticos extremos mas, também, por aqueles que negam a existência do problema.

O modelo de desenvolvimento contemporâneo, assente no crescimento infinito da produção industrial e do consumo, é, como sabemos, insustentável.

O planeta já não produz, nem tem os recursos naturais disponíveis, para garantir as condições básicas para um conjunto significativo da população mundial.

Assistimos a uma clivagem cada vez maior entre ricos e pobres, com um aumento vertiginoso das tensões sociais, cujas repercussões têm, em muitos casos, um desfecho previsível (e violento).

Nos Açores, ano após ano, os efeitos das alterações climáticas fazem-se sentir com mais intensidade. Nesta medida, necessitamos aperfeiçoar o consumo e a produção da energia, reduzindo, substancialmente, a nossa dependência energética com o exterior.

Este é um dado incontornável, e deve ser assumido de forma transversal, consubstanciando a estratégia elencada pelo arquipélago, conducente à sua sustentabilidade ambiental e ao inerente equilíbrio com a actividade económica.

Seguindo este princípio, foi apresentado um documento com vista à discussão pública da Estratégia Açoriana para a Energia 2030.

Este documento reflecte um quadro conceptual, no qual a energia apresenta-se “como vetor essencial do desenvolvimento sustentável da Região Autónoma dos Açores e como fator de inovação social.”

Os sobrecustos energéticos numa região arquipelágica, como a nossa, são significativos, consumindo recursos (fundamentais) que podiam ser canalizados para outros sectores.

O caminho para a “descarbonização da economia” passará, forçosamente, por uma crescente racionalização, pela redução e eficiência do consumo, alicerçada nos recursos energéticos naturais (sol, vento, água e geotermia).

De igual modo, pretende-se que esta transição para a economia de baixo carbono possa constituir “uma oportunidade para o crescimento económico”, nomeadamente, pelo surgimento de novas empresas “na área das chamadas tecnologias limpas.”

No entanto, e por estes dias, o parlamento regional discute uma petição sobre a carga fiscal e a formulação do valor máximo de venda ao público do preço dos combustíveis nos Açores.

O que é curioso é que não se questione como é isto possível, de que modo é que o preço dos combustíveis no arquipélago é o mais baixo do país?

Este valor é mais baixo porque alguém, naturalmente, paga o diferencial, sendo que o preço não difere de ilha para ilha. No garante da coesão e da solidariedade regional, e para ninguém seja prejudicado face ao local onde habita, o preço praticado é idêntico para as nove ilhas. Uma posição inquestionável, parece-me.

Contudo, mais do que baixar o preço dos combustíveis devemos caminhar no sentido de reduzir o seu consumo e efectuarmos, na medida das nossas possibilidades, uma mudança de paradigma rumo à nossa autonomia energética. É isto que este documento, agora apresentado, pretende alcançar.

A título de exemplo, deixo-vos aqui esta questão: sabem quanto custa (fazer chegar) uma botija de gás ao Corvo?

Mais do que fazer (e saber) as contas, importa traçar uma linha de futuro e ter consciência de que temos, todos, neste processo, um papel a desempenhar.

* Publicado na edição de 05/11/18 do Açoriano Oriental
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quinta-feira, 8 de novembro de 2018

Essencial/Acessório

Os açorianos têm um enorme orgulho na sua terra e no que é ‘nosso’ mas à primeira oportunidade são exímios (e implacáveis) em denegrir os seus conterrâneos (e o Destino).

O ressentimento é uma imagem de marca dos meios pequenos, nos quais as quezílias são motivo para alimentar a discórdia, a inveja e o(s) ódio(s).

Por estes dias, o populismo grassa. O diz que disse, as meias verdades e os comentários numa ‘timeline’ feita de oportunismos, passaram a ser a notícia do dia seguinte.

A distância que (supostamente) nos deve unir passou a ser o (principal) motivo para o (res)surgimento de uma proliferação de reivindicações, algumas a despropósito, outras porque sim, com intuído de alimentar a agenda politizada e a avidez noticiosa, feita de imediatismo, falta de rigor e, não raras vezes, ética.

Esta frase parece, e é, um cliché mas não me canso de a dizer: o mundo mudou (radicalmente) e não será pelo facto de estarmos distantes, de quase tudo, que acontecimentos longínquos não terão um (forte) impacto local.

Importa reter esta ideia. Isto porque, em múltiplas circunstâncias, ao acompanhar o posicionamento de determinados decisores e líderes de opinião, fico com a impressão que permanecem presos a uma região assente em pressupostos desenquadrados, num tempo marcado por uma economia transnacional, existindo, inevitavelmente, um desfasamento no entendimento entre o que realmente se passa e aquilo que ambicionam para o arquipélago.

Não podemos ignorar que uma parte significativa das decisões que implicam (directamente) com a nossa vida em comunidade são tomadas noutros centros de decisão (que não na Horta ou em Lisboa).

Os Açores constituem hoje, como um ontem, um mar de oportunidades. Mas não podemos ficar sentados à espera que algo aconteça ou que o governo assuma (por inteiro) a liderança da iniciativa.

Temos de congregar um conjunto de vontades no devir do investimento colectivo. Para tal, é imperioso sair da nossa bolha (outro cliché, eu sei).

Neste estado de aparente esquizofrenia, no qual, por um lado, o governo é acusado de (ter) um peso muito grande na economia regional, por outro, quando anuncia a redução da sua participação no sector público empresarial, surgem vozes a (re)clamar a necessidade de continuidade dessa presença.

A mesma participação pública que antes era acusada de ser omnipresente, incompetente e despesista, passa, a posteriori, a fundamental e necessária.

Neste ponto, gostaria de frisar que existem decisões (nas empresas públicas) que não são compagináveis com o racional económico. Tal não significa que estas não devam (nem possam) ser bem geridas. A prossecução de algumas acções implica (tão somente) a solidariedade insular que consubstancia o cerne daquilo que define a (nossa) Autonomia.

Posições como as que, esta semana, se fizeram ouvir, nomeadamente, sobre o facto de associarmos a SATA à promoção dos Açores, em que tal poderá “prejudicar o turismo na Região”, são, na sua essência, lamentáveis e um bom (mau) exemplo do quão disfuncional, e paradoxal, significa governar um arquipélago como este.

Isto na (exacta) medida em que, para além dos naturais desafios que se nos colocam, há que (sempre) contar com inúmeras entropias e interesses particulares que, em muitos casos, se sobrepõem ao bem comum.

Daí que, e acima do ruído (das redes), convém destrinçar (no defesa do interesse público) aquilo que é essencial do que é acessório.

* Publicado na edição de 22/10/18 do Açoriano Oriental
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sexta-feira, 12 de outubro de 2018

Primeiro (estão) as pessoas

Neste início de outubro, parece-me oportuno reflectir sobre a profusa animação turística estival, vendida como tradição e mascarada de modernidade (pelo upgrade a festival com DJ incluído).

Uma parte significativa dos municípios dos Açores não consigna o que deve à componente cultural (cultura não é sinónimo de desporto) e não planifica a sua agenda com a devida antecedência. A maioria das iniciativas está concentrada no verão, na transmutação e amplificação das festas religiosas e do feriado municipal, num modelo que poucas alterações conhece e cuja implementação é orçada em ‘copy paste’.

Existem, sempre, excepções mas não se compreende porque é que negligenciamos a imperiosa articulação entre entidades, sejam elas privadas, municipais e/ou governamentais.

Continuamos a agir sem olhar aos interesses de quem nos visita, assumindo que vão comer e vão gostar. Quem procura os Açores (e quem tem amor por estas ilhas) não quer ser surpreendido com a realização de uma festa nas margens da Lagoa das Sete Cidades, num local que diz ser ‘nature friendly’ e cuja promoção assenta no (melhor) equilíbrio entre o homem e a natureza.

Com isto não estou a defender o fim deste tipo de iniciativas, devem ter, como espero que tenham, um enquadramento próprio e, compreensivelmente, não podem ser realizadas em qualquer lugar.

Contrariamente ao que é difundido (anualmente, por exemplo, na BTL, pelas mais diversas entidades), o programa de animação turística do arquipélago apenas responde ao consumo interno, pelo que assumir que se está a promover um cartaz de índole internacional é desconhecer, de forma grosseira, a agenda cultural dos países (e cidades) de origem da maioria dos nossos visitantes.

Outro aspecto que importa clarificar, e que é dado a equívocos, é confundir animação turística com criação artística.

Ambos os universos devem coexistir e trabalhar de forma articulada, algo que, tendencialmente, não acontece apesar da nossa reduzida escala.

Este assunto é entendido, por muito boa gente, como não prioritário, mas não podemos afirmar que, culturalmente, somos X, Y e Z quando, estrategicamente, não se investe, consubstancialmente, na preservação e difusão do riquíssimo património que afirmarmos ter, seja ele ambiental, patrimonial ou religioso. Assim como, no apoio ao funcionamento regular dos agentes e criadores regionais.

Os objectivos de um legítimo empresário na promoção de uma festa/festival, não serão exactamente os mesmos de quem produz uma exposição de fotografia ou dirige uma orquestra/filarmónica. O valor económico inerente a cada uma destas actividades pressupõe um apoio, e um olhar, diferenciado pelas entidades que as tutelam (e acompanham).

A dimensão cultural exige uma atenção particular que não pode ser balizada pelo incremento turístico, pois, em primeira instância, estão, espero eu, os que aqui residem e querem trabalhar.

Também, aqui, deve existir uma clara definição de quem apoia o quê, nomeadamente, na reciprocidade deste diálogo entre turismo e cultura.

Primeiro estão as pessoas, o resto vem depois.

* Publicado na edição de 08/10/18 do Açoriano Oriental
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sexta-feira, 28 de setembro de 2018

(Por) uma sociedade mais justa

O auditório da Biblioteca Pública e Arquivo de Ponta Delgada foi palco para o seminário “Cultura Acessível e Inclusiva” promovido pela Direcção Regional da Cultura, cujo objectivo teve por base o incentivo e o apoio dos agentes culturais, públicos e privados, na promoção de uma cultura inclusiva e acessível, através do intercâmbio de experiências e da partilha de boas-práticas.

Este encontro teve o mérito de colocar à discussão as barreiras no acesso à cultura que não são, apenas, físicas, na medida em que extravasam largamente a componente estrutural.

Apesar do progresso evidenciado nas últimas décadas, persistem, entre nós, muros invisíveis que dificultam e impedem o acesso, de diferentes públicos, aos espaços culturais.

Independentemente disso, existe uma crescente sensibilização das instituições culturais para a necessidade de ultrapassar estes impedimentos, os quais se situam, na sua maior parte, ao nível social, cultural e, inclusive, comunicacional.

Um espaço cultural não pode negligenciar o território onde se encontra, deve contribuir activamente para a qualificação da comunidade, na mitigação de factores de discriminação e marginalização que, ainda, subsistem.

A igualdade de oportunidades na acessibilidade aos espaços, e conteúdos, exige um grande trabalho de equipa, na dinamização e na renovação das actividades, sendo que, em muitas situações, nem sempre é fácil chegar a estes públicos.

O capital cultural define a forma como, cada um de nós, se posiciona perante um determinado activo cultural, seja ele, um livro, um concerto ou uma (aparente e simples) ida ao museu.

Importa ter presente que a interação com estes objectos, e manifestações culturais, não se processa da mesma maneira e não se faz por injecção mas, sim, por contaminação. E isto só se consegue com a criação de hábitos (fruição e acesso), com a introdução de uma regularidade e estabilidade na acção programática dos espaços culturais e na intensificação da mediação com os seus vários públicos.

E para que isto possa acontecer de forma mais evidente, é necessário comunicar com mais assertividade, e clareza, tornar simples o acesso ao que não conhecemos por um processo de simplificação (sem que seja entendido como algo redutor), descomplicando aquilo que pode ser entendido como intangível.

O trabalho de proximidade, de especialização e para diferentes nichos de público, é algo que deve ser entendido como fundamental para a inclusão pelas artes, sobretudo, em comunidades onde existem múltiplas assimetrias.

Os Açores são um espaço de cultura, como uma matriz identitária fortíssima e com um apego ancestral pelas suas tradições. Não obstante este cariz, não podemos ficar ancorados ao passado.

A nossa educação passa, inexoravelmente, por conhecermos quem nos antecedeu, sendo que "o verdadeiro objectivo do estudo da História não é recordarmos o passado, mas libertarmo-nos dele" (Yuval Noah Harari). E, nesta medida, devemos atender ao presente e perspectivar o futuro.

Para tal importa ressalvar o investimento continuado (e reforçado) na educação e na cultura, como elemento fundamental para a construção de uma sociedade mais justa.

P.S. - Face à (recente) mudança de protagonistas na Direcção Regional da Cultura, um justo reconhecimento ao trabalho desenvolvido pelo arquitecto Nuno Ribeiro Lopes e um voto de confiança para a sua sucessora, a professora Susana Goulart Costa.


* Publicado na edição de 24/09/18 do Açoriano Oriental
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terça-feira, 11 de setembro de 2018

Dar espaço (ao tempo que nos falta)

Nesta(s) ilha(s), o alvoroço provocado pelo crescimento turístico passou a ser o denominador comum de quase todas as conversas, de parte substantiva da acção política e da dinâmica empresarial.

Tudo parece gravitar em torno do turismo, dos seus benefícios, dos (designados) malefícios e da dificuldade que é (ou passou a ser) alugar casa, estacionar ou reservar um restaurante que antes estava vazio (e à nossa espera).

Esta onda de choque não se faz sentir de forma idêntica por todas as ilhas, nem tal seria possível, a começar, como sabemos, pela natureza e dimensão de cada uma delas.

Pese embora esta (óbvia) constatação, há quem considere que este é (apenas e quase sempre) um problema de transportes ou da (in)competência de determinado decisor político.

Na resposta a uma explicação plausível, assistimos, não raras vezes, a uma exigência irrealista para depois surgir a reivindicação (surrealista), sobretudo, junto do governo regional, a exigir a gestão rigorosa dos recursos públicos (no qual se incluem a multiplicidade de serviços públicos que existem e que são necessários à manutenção da coesão social do arquipélago).

A Sata, os transportes marítimos e a saúde são alguns dos maiores exemplos da coesão regional, cujo desempenho é fundamental para garantir a união em torno do projecto autonómico.

A crítica pela crítica, escudada na amplificação de casos particulares, faz denegrir e perigar a existência de empresas e profissionais (fundamentais ao garante ao nosso bem-estar colectivo). E que, na maior partes das situações, é alimentada para fazer face à sobrevivência política de alguns protagonistas, cujo maior contributo consiste em destruir e, não, em construir.

A gestão da coisa pública nem sempre é compaginável com um tempo marcado pela urgência, pelo imediato e pela aceleração, no qual vivemos fascinados pelo fim e pela catástrofe (António Guerreiro).

A actuação política não deve mas é, recorrentemente, ditada pela lógica da reacção e do desagrado promovido, e amplificado, pela irracionalidade que, hoje, vigora nas redes sociais.

Não devemos, nem podemos ignorá-las, temos é, sim, de destrinçar o que é relevante, daquilo que possa ser efabulado.

Apesar de assumirmos que estávamos preparados para a intensificação da actividade turística, nada, nem ninguém, previu a magnitude do impacto do crescimento exponencial que estamos a experienciar.

Da mesma maneira que não devemos entrar em euforias desmedidas, temos de ter consciência que subsistem inúmeros constrangimentos no incremento deste sector, os quais não têm, na maior parte deles, uma resposta imediata.

Neste capítulo, como em tantos outros, o governo é um parceiro, não tem todas as respostas, nem pode ser o catalisador de toda a iniciativa.

Contudo, a “política não tem tempo e tudo aquilo que precisa de tempo encontra hoje imensas dificuldades para subsistir” (António Guerreiro).

Importa dar espaço (ao tempo que nos falta), para o diálogo, reflexão e acção na implementação (responsável e consciente) do projecto de sustentabilidade que se pretende para o destino Açores.


* Publicado na edição de 10/09/18 do Açoriano Oriental
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terça-feira, 14 de agosto de 2018

A ilha (não) é nossa

O incremento da actividade turística tem provocado alguns constrangimentos no nosso modo de vida e tem conduzido a alguns aspectos menos positivos na vida dos insulares.

À semelhança do que acontece com outros destinos turísticos, existem, inevitavelmente, dores de crescimento face à crescente intensificação do número de visitantes, do aumento dos empreendimentos e investimentos de apoio ao alojamento e à animação turística.

Perante o congestionamento no acesso a determinados pontos de atracção turística, multiplicam-se as reacções negativas face ao aumento do fluxo turístico.

Ninguém ignora o efeito multiplicador da actividade turística na economia regional, os proveitos do turismo são muito bem-vindos mas para alguns (intervenientes) podíamos, quiçá, dispensar a presença dos turistas.

Passamos anos a reclamar por mais e melhores turistas, agora que eles aí estão, achamos que são demasiados?

Apesar de andarmos sempre a reivindicar a promoção do destino, foram poucos os que acreditaram no resultado desse investimento e na liberalização do espaço aéreo dos Açores.

A maior parte não estava preparada para o aumento exponencial do turismo, nem para as exigências daí decorrentes.

Nas últimas semanas têm surgido algumas notícias que dão conta da relativa insatisfação, por parte da população residente, face ao aumento dos preços (e ao anúncio de outros) no acesso a alguns pontos turísticos de maior afluência, como a Poça da Beija, nas Furnas, a Caldeira Velha, na Ribeira Grande, ou na Ferraria.

Passados três anos não me parece razoável continuarmos à espera dos meses mais intensos para realizamos obras de manutenção, sem adaptar horários de funcionamento e a evitar implementar medidas de regulação no acesso a espaços ambientais sensíveis, nomeadamente, no acesso automóvel, por exemplo, às margens da lagoa das Sete Cidades.

A justificação para a introdução desta regulação não pode, apenas, advir do facto de agora existirem mais turistas e (milhares de) carros em circulação pela ilha, são medidas em prol da nossa (proclamada) qualidade de vida e no melhor usufruto destes locais, naquilo que consideramos ser o equilíbrio entre desenvolvimento e o ambiente: o nosso maior activo.

Não podemos negligenciar a pressão exercida nestes locais, a qual é agora (muito) maior daquela que já tinham, pelo que sem a necessária implementação de regras que possam minimizar o número de acessos será difícil garantirmos a melhor experiência (turística).

E como de resto acontece, um pouco por todo o mundo, os locais de visitação devem ser pagos e uma parte destas receitas deve ser investida na sua manutenção, conservação e monotorização.

Com isto não estou a excluir os locais, devem ser gerados acessos diferenciados para residentes e visitantes, os quais devem reflectir a pressão das épocas de maior procura, por aquelas onde a procura é menos intensa.

A afirmação dos Açores como destino turístico passa, inexoravelmente, pela forma como acolhemos aqueles que nos visitam, sem que nos tornemos, num local asséptico, indiferenciado e individualista.

Parece-me ingénuo e irresponsável assumir que poderíamos ter mais turismo sem que existisse alguma perturbação na vida da ilha, sendo que, como aqui já escrevi, o verdadeiro desenvolvimento económico só terá significado se todas as acções promocionais reverterem, efectivamente, para uma melhoria sustentada da população residente, em termos sociais, culturais e ambientais.

Parafraseando Jack Self (in Revista Electra, junho 2018), “a relação entre o que é da ordem da esfera pública e o que é da ordem da privacidade alterou-se completamente no nosso tempo, à imagem do que se passa na relação entre o indivíduo e a sociedade.”

A ilha não é nossa, nem nunca o foi.


* Publicado na edição de 13/08/18 do Açoriano Oriental
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terça-feira, 31 de julho de 2018

A tingir a ilha de castanho

As alterações climáticas são hoje uma certeza, é impossível ignorá-lo, embora há quem considere que se trate de mais um devaneio de alguns ambientalistas (leia-se fundamentalistas).

Os Açores são um pequeno laboratório para o quão drástico podem constituir-se estas mudanças no nosso modo de vida e frágil ecossistema.

Os exemplos (e as tragédias naturais) falam por si.

Assistimos de forma (surpreendentemente) célere a súbitas transformações da paisagem e do clima, quando a discussão sobre as alterações climáticas parece ser (ainda) algo muito distante.

Mas não é. É um problema do presente que pode, sim, alterar significativamente a vida futura neste conjunto de ilhas.

A recente crise económica fez abandonar (ou atrasar) um conjunto de projectos associados à produção de energia com base em fontes renováveis e um conjunto de boas práticas, com vista a alcançarmos o que hoje se designa por desenvolvimento sustentável.

A falta de planeamento (e/ou desrespeito pelo já existente) e a enorme pressão exercida em torno da nossa geografia tem conduzido a múltiplos desequilíbrios, dos quais alguns resultaram na perda de vidas e em custos materiais significativos.

Num período de crescimento económico, como aquele que hoje experienciamos, ninguém questiona se temos capacidade para multiplicar o número de licenciamentos de novas habitações, hotéis e outras tipologias.

Ao incremento do consumo de recursos naturais, nomeadamente, água, e ao aumento exponencial da produção de resíduos sólidos e urbanos, de residentes e de turistas, associado ao normal desempenho da indústria, da agricultura e da pecuária, será que estaremos todos conscientes do impacto que todas estas actividades têm nos recursos disponíveis? Sabemos o limite para a pressão que podemos exercer sobre estes mesmos recursos?

Nos Açores, a natureza é exuberante e tem uma capacidade incrível de regeneração, tendo em conta os sucessivos atentados de que tem sido alvo. Mas até quando?

As estações do ano deixaram de ser constantes e previsíveis, sendo que verão e inverno são, muitas das vezes, coincidentes e prolongam-se para além da barreira temporal.

O clima das ilhas é, por regra, temperado mas está diferente, com clivagens mais acentuadas e extremas, em que após um período de chuva intensa, sucede-se, de forma alternada, um período de seca.

A abundância da água entre nós (pelo menos em São Miguel, noutras ilhas do arquipélago esta situação não se verifica) faz com que nos tivéssemos habituado à sua presença e a conviver, de forma mais ou menos normal, com o seu desperdício.

Em anos, como este, em que a escassez de água faz tingir a ilha (verde) de castanho, seria bom questionarmo-nos sobre aquilo que temos de fazer para reduzir o consumo, evitar o gasto desnecessário e procurar outras soluções para o armazenamento de água, sobretudo, naquela que é necessária para abastecer a pecuária (na medida em que, por exemplo, cada vaca consome, em média, entre 100 a 130 litros de água por dia) - informaçãos obtida em várias fontes 1 / 2 / 3.

O Programa Regional para as Alterações Climáticas (PRAC) não dará todas as respostas e será, inevitavelmente, ineficiente, se cada um de nós não cumprir com a parte que lhe compete.

É tempo de deixarmo-nos de lamuriar por aí e passarmos a agir de forma responsável, individual e colectivamente.


* Publicado na edição de 30/07/18 do Açoriano Oriental
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quarta-feira, 11 de julho de 2018

Um caminho de futuro

O festival Walk & Talk (W&T) acontece há oito edições e este ano decorre, em São Miguel, entre 29 Junho e 14 Julho.

Para quem está mais atento, e tem acompanhado a trajectória deste projecto, o W&T está diferente e pouco, ou nada, tem a ver com aquele que se deu a conhecer de início, o qual preconizava a criação de um “museu a céu aberto” (com recurso a grandes murais), ideia que rapidamente abandonou mas que ainda perdura na memória de muitos.

Esta questão é pertinente, na medida em que o festival cresceu, diversificando e alargando o seu espectro e a sua acção, acompanhando, paralelamente, o desenvolvimento que a ilha, também, evidencia. E, tal como o arquipélago, deu-se a conhecer ao mundo. Não sei se podemos falar de maturidade, esta leitura pode parecer paternalista, e desnecessária, mas o reconhecimento obtido com a atribuição de um apoio da Direção-Geral das Artes, no primeiro ano em que os agentes culturais das regiões autónomas conseguiram concorrer, confere-lhe uma maior responsabilidade, rumo a uma crescente, e necessária, profissionalização do tecido artístico/criativo regional.

Não obstante as recentes conquistas, e todo o trabalho evidenciado até aqui, considero que os objectivos a que o festival se propôs, e propõe, só farão pleno sentido na construção de uma dinâmica consistente e sustentada da actividade cultural e criativa na(s) ilha(s).

Este será, talvez, parte de um longo processo.

Num espaço geográfico circunscrito, por natureza, conservador nas atitudes e nas opiniões, a ingenuidade e irreverência (iniciais) foram importantes para a sua afirmação. O W&T colocou os Açores no mapa (e no roteiro) da criação contemporânea, uma conquista que ninguém ignora.

Contudo, considero fundamental que o W&T abandone o (seu) carácter efémero, na medida em que existem mais Açores para além do período em que o festival ocorre.

A criação de hábitos de fruição e de visitação a espaços e a locais de cultura é, ainda, entre nós, um desafio. Importa pois, por isso, que o festival expanda a sua presença ao longo do ano, combatendo uma aparente guetização, cuja repercussão não pode ficar circunscrita às redes sociais e à imprensa, sabendo (sempre) à partida que estaremos a falar de um público restrito. Convém não ignorarmos este dado, sendo que não há nenhum problema com isso.

A importância de tornar acessível o contacto com a criação e com os criadores contemporâneos, nacionais e internacionais, junto de um público menos familiarizado com um conjunto de linguagens, conceitos e temáticas que, habitualmente, não fazem parte do discurso cultural do arquipélago, torna-o especial.

Afirmar a importância da cultura, como parte integrante da formação e da educação desta comunidade, pela introdução à contemporaneidade com recurso às artes, é um caminho de futuro, que fará, acredito e espero, toda a diferença.

A bem da(s) ilha(s).

* Publicado na edição de 09/07/18 do Açoriano Oriental
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terça-feira, 3 de julho de 2018

Destempo

A existência de um plano (desenvolvimento estratégico; director municipal ou marketing), concreto e objectivo quanto às decisões que afectam o nosso futuro colectivo, constitui um importante instrumento de gestão na assumpção do compromisso público para com a comunidade e o território a intervir.

Infelizmente nem sempre é assim e, demasiadas vezes, somos confrontados com resoluções que enfermam de uma visão de curto prazo, de contornos pouco claros, na resposta a um anseio populista, local, ou corporativo, o qual, na maioria das situações, não resulta de uma planificação integrada (ou sustentada).

Por estes dias contestar algumas opções de investimento, significa assumir uma posição minoritária face ao que é entendido como um desígnio comum e a necessidade (inadiável) de concretizar as reivindicações de determinada população, município ou ilha.

A democracia não é uma via de sentido único, exige reciprocidade, importa, por isso, que os diferentes interlocutores, em particular, os representantes eleitos, a saibam interpretar e a façam cumprir.

De igual modo, não basta exigir aos outros, nem vale desresponsabilizarmo-nos de cumprir com a nossa acção cívica, delegando-a em terceiros, apontando o dedo aos suspeitos do costume, numa interminável ladainha miserabilista, apanágio destes dias da indignação em tempo real.

Ao contrário do que se possa pensar, existem um número significativo de mecanismos públicos e privados que dão respostas a questões de governança.

Na maioria das vezes não nos socorremos delas, por desconhecimento ou por desleixo ou, muito simplesmente, porque afirmamos não nos interessar por política, na esperança que outros o façam por nós.

A história encarrega-se de demonstrar que sempre procurarmos justificar a nossa incapacidade, ou insucesso, com um bode expiatório, seja ele o árbitro ou a comissão europeia, ou, ainda, na vã tentativa de elencar uma figura messiânica que nos guie, novamente, para no esforço mínimo, obter a renda máxima.

Nestas últimas semanas muito se tem falado da forte probabilidade de existirem cortes nos apoios comunitários, nos quais os Açores seriam, também, naturalmente, afectados.

Contudo, e contrariando as (minhas) expectativas, o Comissário Europeu da Agricultura e do Desenvolvimento Rural em visita ao Presidente do Governo afirmou que, afinal, não haveriam cortes no programa POSEI, no âmbito do próximo quadro financeiro plurianual para o período 2021-2027.

A notícia não podia ser melhor. Não obstante, o lamento manteve-se de forma transversal, pois a intenção é que os apoios fossem aumentados (!). Observei alguns dos comentários com relativa incredulidade, se os apoios tivessem sido reduzidos: estaríamos preparados, que soluções existiriam?

Esperei que durante este período se desse início a uma ampla reflexão quanto às mudanças em curso no seio da União Europeia. Tal não veio a acontecer, no sentido de avançarmos com soluções ou planos alternativos para que se sejam previstos projectos de diversificação agrícola que possam, eventualmente, compensar, ou minimizar, futuras quebras de financiamento comunitário.

Esta parece-me ser uma questão inevitável, tal como o impacto (futuro) das alterações climáticas no nosso modo de vida.

Nesta situação, como em outras, a prevenção será, sempre, mais conveniente do que uma (re)acção a destempo.

* Publicado na edição de 02/07/18 do Açoriano Oriental
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quinta-feira, 14 de junho de 2018

Pensar a Cultura d(n)os Açores

Esta semana partilho a (minha) leitura a três perguntas sobre o desafio “Pensar a Cultura d(n)os Açores”, inscrito no número 7 da “CulturAçores - Revista de Cultura” da responsabilidade da Direção Regional da Cultura.

Como avalia a produção/criação cultural em ilhas como os Açores?
Os Açores estão distantes dos grandes centros urbanos, onde, habitualmente, está centrada a dita efervescência criativa e a plena cobertura mediática daquilo que é novo. Isto não é forçosamente mau. Considero que esta questão, hoje, deixou de ser um problema. Na avidez da procura pelo que é diferente, distante e exótico, os Açores podem posicionar-se como um centro fora do centro e ser, ou estar, simultaneamente, no centro, que não apenas o geográfico. Na Cultura, como no resto, temos de olhar os Açores como uma realidade a diferentes velocidades, com múltiplas personalidades e geografias. Ao contrário daquilo que é percepcionado, daqui resultará uma das suas maiores riquezas. O alicerce da idiossincrasia açoriana garante uma riqueza identitária, patrimonial e cultural muito diversa e, por essa via, muito interessante.

Que desafios se colocam à relação tradição/modernidade no desenvolvimento da cultura da região?
As últimas décadas dotaram as ilhas de espaços de fruição e de criação propícios ao melhor desenvolvimento da produção e da criação cultural. Simultaneamente, vimos regressar ao arquipélago um conjunto de profissionais em diversas áreas de especialização que antes não existiam e que procura uma base sólida para desenvolver a sua actividade. Acredito que o futuro passa, inexoravelmente, pela criação de um percurso profissionalizante para as instituições/criadores regionais e por garantir a circulação e a distribuição, dentro e fora de portas, dos objectos criados. Fazer crescer cultural e socialmente uma comunidade requer investimento e continuidade num trabalho em parceria, na partilha e na prossecução de objectivos comuns. Os desafios são mais que muitos. É essencial pensar a cultura como um factor de desenvolvimento estratégico e não como um adorno.

O que é e deve ser a cultura açoriana?
Tenho alguma dificuldade em responder a esta questão, na medida em que não gosto de definir um caixilho (ou espartilho) ao que comummente se entende por “cultura açoriana”. Os traços distintivos das nossas tradições são incontestáveis. E isso deveria ser suficiente, sem outros justificativos. As nossas influências são, hoje, globais, pelo que não faz sentido que a cultura sirva como elemento identitário ou reactivo ao elemento contemporâneo, num tempo de transnacionalidade e de hiper-realidade. A cultura não é um elemento estanque, evolui. Não alimento a natural menorização do palco arquipelágico, nem a depreciação do que se faz entre portas. A geografia das ilhas passou a ser a que nós lhe quisermos conferir.

* Publicado na edição de 11/06/18 do Açoriano Oriental
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quinta-feira, 24 de maio de 2018

Geografia(s) da(s) Ilha(s)

Em Dia dos Açores, as páginas dos jornais são preenchidas por textos laudatórios e discursos efusivos sobre o que é ser ilhéu e açoriano.

Este é o dia maior da açorianidade, a segunda-feira do Espírito Santo, naquela que é percepcionada como a maior festividade do povo açoriano.

Nada tenho a opor à exaltação dos nossos traços distintivos mas tenho a sensação, na maior parte das vezes, que sobrevalorizamos (deliberadamente) o nosso lugar (e a nossa posição).

A comunidade açoriana (espalhada pelo mundo) é hoje maior do que aquela que por cá reside. E apesar de ter sido forçada a sair, muita dela continua agarrada à ilha que os viu partir, sendo que, paradoxalmente, muitos dos que cá estão, amam as ilhas, mas sonham em sair.

Esta dinâmica é reiterada e manifesta-se de forma antagónica, na medida em que a nossa acção no território não é condizente com a veemência com que o defendemos noutras ocasiões.

O (recente) crescimento económico no arquipélago tem levado ao esgrimir de argumentos entre ilhas, em que assistimos, passivamente, ao ressuscitar de velhos fantasmas bairristas, em que a ilha vizinha é (quase sempre) a causa das carências internas (de cada uma).

Como se isto não fosse suficiente, grande parte das reivindicações (de ilha) passaram a ter expressão em nome próprio, com representantes eleitos para o todo arquipelágico mas que apenas se focam em questiúnculas e interesses locais, como se pudéssemos viver uns sem os outros.

A Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores passou a ser palco privilegiado para atestar o clima de crispação entre ilhas, em que o absurdo passou a ser defendido, incondicionalmente, como a única forma de suporte à acção política.

A atestar este estado de coisas, na última sessão plenária, o processo e a aprovação da lista de agraciados foi apenas mais um momento para a diatribe partidária, em que uma parte dos tribunos aparentou estar mais preocupada em defender a sua cota de participação do que em enaltecer aqueles que, por uma razão ou por outra, se destacaram e contribuíram para o (nosso) desígnio comum.

Parece-me que, infelizmente, alguns dos eleitos anda mais focada em defender o que lhes diz (directamente) respeito, desfasadamente, talvez, do que importa à maioria dos açorianos.

Seria mais produtivo que, ao invés de andarmos à procura da polémica estéril e do protesto fútil, existisse uma efectiva vontade em debater (seriamente) o futuro dos Açores (como um todo).

No rigor da incerteza destes dias, os Açores têm muitos desafios no alcance da sua trajectória e que passam, indubitavelmente, pelo garante da sustentabilidade ambiental, energética e social. Mas não vamos lá com um argumentário inflamado (e isolacionista), nem com uma retórica romântica envolta na bruma.

De igual modo, não faz sentido replicar o modelo das ilhas maiores, disseminando-o pelas mais pequenas. A nossa escala não o permite. Querer mitigar a descontinuidade geográfica através de propostas insustentáveis e irrealistas só nos conduzirá a um beco sem saída.

Sem preconceitos, e com toda a frontalidade, é necessário investir (indelevelmente) no conhecimento, na educação e na cultura, como forma de ultrapassar o atraso que (ainda) subsiste em algumas franjas e geografias das ilhas.

Celebrar este dia implica, primeiro, compreender (e conhecer) quantos Açores cabem, efectivamente, na palavra Açores.

* Publicado na edição de 14/05/18 do Açoriano Oriental
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