A editora Artes e Letras Artes e Letras lançou a 2 de maio, na livraria Solmar livraria Solmar, em Ponta Delgada, o nº 5 da “Avenida Marginal”.
Nessa quinta-feira, à mesma
hora, aconteciam, várias iniciativas culturais. O problema não é que ocorram
todas em simultâneo, esta é uma questão antiga, mas não será a fundamental. O
que importa expor é que somos (demasiado poucos), e vezes demais, sempre os
mesmos.
Este será, provavelmente,
um dos maiores desafios do presente, agravado na pandemia, a necessidade de
renovação dos públicos da Cultura. Em particular, nas áreas artísticas
tradicionais, face aos desafios gerados pelos novos formatos, especialmente, os
digitais, e no impacto gerado junto dos mais novos. Um problema que nos deve
convocar a encontrar soluções que permitam uma salutar coexistência (e
complementaridade).
Apesar disto, assistimos,
paralelamente, ao revivalismo (artístico e comercial) em torno dos formatos ‘analógicos’,
no ressurgimento do vinil, das K7s e até mesmo dos CDs, no caso da música, do
VHS no cinema (ou nas artes visuais), tanto como apropriação cultural, simples
inspiração ou numa abordagem a referências que possibilitem outras (re)leituras.
Em Portugal, por
exemplo, no circuito das livrarias independentes, as quais têm contribuído para
uma maior diversidade (de propostas e conteúdos) no panorama editorial
português, existe um fenómeno crescente da actividade alfarrabista, no dar uma
nova vida aos livros usados, nomeadamente, na procura por edições de livros que
já não estão disponíveis no mercado editorial e que agora são motivo de
interesse por parte de outras gerações.
Os mais novos chegam aos
livros, sobretudo, através das redes sociais (e das suas celebridades), os
chamados ‘influencers’, em particular, no TikTok (materializado pelo fenómeno viral
dos booktokers), contribuindo para o aumento exponencial da venda de livros por
todo o mundo.
No estudo “Mercado do Livro e Hábitos de Compra em Portugal”, apresentado em 2023, pela Associação Portuguesa de Editores e
Livreiros (APEL), ficamos a saber que menos de dois terços dos portugueses
compraram livros e que são os jovens quem está a impulsionar as vendas no
nosso país, na medida em que os inquiridos, entre os 15 e os 34 anos, já representam
28% do total do mercado. No entanto, Portugal mantém-se como o país que, na
Europa, menos lê.
Outro dado que me parece particularmente relevante tem a ver
com os pontos de venda dos livros, na medida em que 70% dos livros são, ainda,
e felizmente, vendidos em livrarias, mas os hipermercados já ocupam 30% desta
cota (sendo que em algumas ilhas do arquipélago só encontramos livros em
espaços indiferenciados).
Existem dados desagregados para os Açores (em que as
livrarias são uma espécie rara ou em vias de extinção)?
Neste domínio, faltam elementos concretos sobre o sector do
livro, tal como faltam para outras áreas artísticas, dados que ajudariam a
sistematizar estratégias e políticas culturais.
Esta questão carece de reflexão e merece ser profusamente
discutida, envolvendo vários intervenientes, da Educação à Cultura, na medida
em que o livro enfrenta desafios muito relevantes que requerem diálogo,
discussão e conhecimento.
Outro aspecto que não pode ser descurado é facto de o “consumo cultural ser socialmente estratificado” (ICS, 2020), na medida em que os hábitos de
lazer e de consumo de produtos culturais não estão dissociados dos
níveis socioeconómicos e de escolaridade.
Neste cenário, o que
leva alguém a querer fundar uma editora? É antes de tudo, um acto de enorme
coragem e arrojo, especialmente, numa escala como a nossa, onde por vezes parecem
existir mais escritores que leitores. Digo isto com todo o respeito, mas os
autores (artistas) não podem ser tratados todos por igual, nem é possível
comparar o que não é comparável. Não raras vezes, tendemos a balizar tudo pela
mesma bitola.
Este não é um problema
exclusivo da literatura. Esta é uma problemática que se coloca nas artes
visuais, nas artes performativas ou na música. Nos Açores, o caminho de futuro
para a Cultura é o da profissionalização (não vale a pena ignorá-lo).
Em regiões como a nossa, a descontinuidade geográfica e os
custos agravados pelos transportes (distribuição e logística), aumentam as
assimetrias no acesso a bens e a serviços essenciais, relegando,
inexoravelmente, a cultura para uma posição secundária, onde a democratização
cultural é determinada pelo estatuto social (status), tenazmente agravada pelos
índices sociais que detemos.
Importa alterar este estado de coisas, a começar por colocar
a educação “no centro das políticas culturais” (Paulo Pires do Vale). Neste
sentido, o cheque-livro apresentado pelo Governo da República, agora secundado
pelo Governo Regional, é um caminho para o incentivo ao contacto com os livros
e com as livrarias.
A par disto importa garantir um conjunto de outras medidas
que aproximem a comunidade literária, e as instituições culturais, da população,
com iniciativas de mediação para a leitura e para a promoção do livro.
Em termos legislativos, urge rever os apoios à edição e os objectivos
das políticas públicas. Não faz sentido apoiar o livro se depois falhamos em
toda a restante cadeia de valor, temos o produto, mas não temos distribuição (regional
e nacional), nem promovemos, eficazmente, o acesso à leitura.
A região tem que dar o exemplo, investindo nas suas
instituições públicas, ano após ano, para que possam prestar o papel que delas
se exige, nomeadamente, pela actualização permanente de conteúdos, em
particular, das bibliotecas públicas e escolares, no combate incessante aos
baixos índices de leitura e literacia.
E não menos importante, promover uma profunda reflexão sobre
a necessidade de existir um Plano Regional de Leitura ou, se em alternativa, não
devemos pugnar por garantir a presença dos nossos escritores (e editores) no
Plano Nacional de Leitura, com acesso a outros recursos e a mais públicos.
A “Avenida Marginal” é um contributo, e um precioso recurso,
para desbravar um caminho sinuoso, cuja missão presta um verdadeiro serviço
público no estímulo à inovação e na descoberta de novos nomes no ecossistema
literário local.
Manter uma livraria e uma editora é hoje um acto de amor (e
militância), mas sobretudo de resistência.
Uma última palavra para o impressivo trabalho do João Amado João Amado que ilustra a capa desta edição, na qual reflecte um universo fantástico e surreal (e que nos parece querer dizer que (sobre)viver nas ilhas, também, consegue ser um desafio surrealista).
Alexandre Pascoal, maio 2024
[+] Apresentação da Avenida Marginal nº5, 2 maio de 2024, Livraria Solmar, Ponta Delgada (texto revisto e acrescentado)
[+] publicado na edição de 02 junho 2024 do Açoriano Oriental
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