sexta-feira, 22 de setembro de 2023

Estrutural

Em Dia Europeu sem Carros, recordamos todos, sem excepção, individual e colectivamente, aquilo que afirmamos querer mas que na prática não fazemos (acontecer).

Existe no arquipélago um enorme preconceito (e estigma) em relação ao uso de transportes públicos, no qual o investimento realizado não garantiu uma solução integrada.

Para quem não tem alternativa de transporte e tem de se socorrer do autocarro para ir trabalhar, paga um serviço caro e que, na maioria das vezes, não dá resposta, nem contribui para a qualidade de vida dos utilizadores (em termos de frequências e de horários).

O desafio (presente) passa pela ambição de querer mudar, trabalhando com as partes interessadas, no sentido de perceber como é que implementamos (de forma equilibrada) uma “reforma profunda e estrutural dos transportes coletivos de passageiros”, como defende o líder do maior partido da oposição.

Nos Açores, nesta matéria, nem está tudo feito, nem tudo por fazer e, não existindo soluções simples, o impulso terá mesmo de ser de quem governa, algo que (hoje) não se vê, nem se fala.

[+] publicado na edição de 22 setembro 2023 do Açoriano Oriental

Saber fazer

Em Ponta Delgada, as obras do Mercado da Graça arriscam-se a ser de Santa Engrácia, tal tem sido a morosidade do processo e do imbróglio (político e burocrático) em que o mesmo se transformou.

A situação provisória é indigna, sobretudo, para quem lá trabalha todos os dias. Isto sem falar no prejuízo infligido aos comerciantes que desesperam por uma luz que os faça sair do buraco em que os meteram.

No processo preparatório para a renovação do “farmers market”, teria sido útil uma frutuosa reflexão sobre o uso futuro do espaço, nomeadamente, se o mesmo cumpria com as necessidades actuais ou se, eventualmente, deveria ser deslocalizado para uma zona urbana a necessitar de reabilitação, dotando-o de outra dimensão e melhores condições de acessibilidade.

As cidades são feitas de mudanças, e aqui, como nas obras no centro histórico, importa(ria) concretizar estes projectos com recurso a um plano estratégico, com um reposicionamento transversal e visionário, ao invés de uma operação de cosmética (de duvidosa utilidade) para turista ver.

Para que isto possa acontecer, faltará, também, ao executivo municipal, nesta e noutras dimensões, saber fazer.

[+] publicado na edição de 8 setembro 2023 do Açoriano Oriental

Ausência(s)

O país (e o mundo) sofre(m) as consequências da urgência climática, com elevadas temperaturas (Julho foi o mais quente desde que há registos) e incêndios explosivos.

Nos Açores, a chuva é convidada do Verão. O espectáculo (de relâmpagos e de luz) causado(s) pela tempestade, não fazia prever as inundações em vias e habitações (no norte da ilha de São Miguel).

Nesta legislatura, a política ambiental (também, mas não só) eclipsou-se. Felizmente, desta vez, não houve vítimas mortais, se as houvesse talvez (os dirigentes políticos) se dignassem a comparecer e prestar solidariedade a quem assistiu à natureza a entrar-lhe, literalmente, pela porta adentro.

As alterações climáticas não são futurologia, fazem parte do nosso presente, não há como evitar, nem ignorar.

O que se exige, a quem governa, é que planeie e execute medidas preventivas que consigam minorar os prejuízos causados por eventos climáticos extremos.

A ausência de respostas em áreas fundamentais como os resíduos, infestantes, a limpeza de ribeiras, térmitas e trilhos pedestres deviam preocupar quem, aparentemente, “comemora o passado, olha o presente” e diz querer “projetar o futuro”.

[+] publicado na edição de 25 agosto 2023 do Açoriano Oriental

PEMTA

O governo regional decidiu a revisão do Plano Estratégico e de Marketing do Turismo dos Açores (PEMTA), elaborado em 2015, sem que desse a conhecer o balanço da implementação ocorrida até aqui.

Seguimos em frente, sem sequer querer olhar para trás, nem reflectir o que ocorreu menos bem, na ilusão que os números estão a nosso favor e que o crescimento (aparentemente ilimitado) é o único caminho.

Resta-nos o jargão da sustentabilidade que é receita para todas as maleitas e a solução (final) para o desenvolvimento económico e social da região.

A diferenciação que assumimos (de)ter é aquela que não depende da natureza humana. A exuberância da paisagem que nos envolve é a (única) razão pela qual o arquipélago existe como destino turístico.

Uma das medidas do PEMTA residia em gerar uma “Cultura de Turismo nos Açores” e de “Hospitalidade Açoriana”. Seria importante avaliar este objectivo, uma vez que continua a ser mais fácil obter (na restauração local) uma sobremesa (massificada) do que um doce tradicional.

Urge medir este estado de coisas através do acesso (com maior regularidade) aos inquéritos de satisfação do turista que visita os Açores (como contraponto, necessário e fundamental, ao vazio dos números).

[+] publicado na edição de 11 agosto 2023 do Açoriano Oriental

Shuttle

A época alta vai a meio e o clima é de apreensão.

2023 é suposto ser o melhor verão turístico (numericamente falando), mas as notícias perspectivam a saída do arquipélago dos Açores (a partir de Outubro) da companhia aérea de baixo custo que transportou, desde 2015, segundo os próprios, cerca de 2.8 milhões de passageiros.

O que é que mudou na VisitAzores (ex-ATA) com a presidência (e a reentrada na Associação) do governo regional?  

Na ausência de uma planificação atempada e de um posicionamento estratégico, integrado e transversal no desenvolvimento da(s) ilha(s), o pêndulo governamental balança consoante o descontentamento sectorial ou a birra ocasional (e permanente) dos parceiros da coligação que (des)governa, aquele que já foi um exemplo na execução de fundos comunitários (situação que actualmente não se verifica).

A instabilidade gerada pela ausência ou, simplesmente, por uma atitude irresponsável (do deixa andar para ver no que dá), poderá levar a consequências gravosas e imprevisíveis.

Os Açores não podem ser governados por especialistas do passa-culpas, como se fosse um “shuttle” (indiferenciado) em regime “hop-on, hop-off”.

[+] publicado na edição de 28 julho 2023 do Açoriano Oriental

Reflexão

Recordes. Todos os meses são conhecidos os números de passageiros desembarcados nos aeroportos dos Açores, nas escalas de cruzeiros ou nas dormidas em alojamento turístico. 

A tentação é grande, mas não somos um caso isolado. A procura por experiências em novos destinos, tem sido a tendência do turismo global no pós-pandemia. 

Esta aparente euforia num crescimento desmedido comporta riscos (acrescidos) e, para além de uma sólida planificação, deve levar a uma ampla reflexão. 

É um erro encarar o arquipélago como um território uniforme, em que a realidade experienciada pode ser vendida por igual. 

Considero irresponsável perspectivar um crescimento infinito, alimentado por uma ânsia (gananciosa) de curto prazo e por um movimento contínuo na proliferação de empreendimentos turísticos, sem garantir as condições (mínimas) para um acolhimento diferenciado e sustentável (um conceito que implica compromisso, mas que hoje, malogradamente, já não significa grande coisa). 

Já aqui o escrevi, e há que dizê-lo as vezes que for necessário, replicar o mesmo modelo de desenvolvimento por todas as ilhas, sem olhar às suas especificidades (particularismos e autenticidade), é uma receita para o desastre.

[+] publicado na edição de 7 julho 2023 do Açoriano Oriental