quarta-feira, 14 de maio de 2025

Valorização

Após anos de “chumbo” (e “encostados à parede”), os governos (da república) liderados pelo Partido Socialista (PS), entre 2015 e 2023, deram à Cultura a centralidade que ela merece, um assento à mesa do conselho de ministros e a implementação de uma estratégia de reforço orçamental (gradual e continuado).

A Direção-Geral das Artes (DGARTES), um dos principais organismos do Ministério da Cultura (MC), teve (e tem tido) um papel fundamental na implementação de políticas públicas que visam responder às naturais expectativas de profissionais e das estruturas do sector das artes em todo o território nacional.

Contudo, pela primeira vez, em oito anos de concursos, a Declaração Anual 2025 da DGARTES, na qual são publicitados os concursos a abrir, contrariou a tendência de crescimento das dotações alocadas a cada modalidade de apoio.

O valor do programa de Apoio a Projetos (concursos para Artes Visuais, Criação e Edição, Internacionalização, Música e Ópera, Programação e Procedimento Simplificado) foi o mesmo de 2024 (ainda aprovado pelo PS), outros programas de apoio foram revistos em baixa (Apoio Complementar Europa Criativa) e os concursos - Arte e Coesão Territorial (destinado aos territórios de baixa densidade cultural) e o Arte pela Democracia (uma parceria entre a DGARTES e a Estrutura de Missão para as Comemorações do 50.º aniversário da Revolução de 25 de Abril de 1974), foram, simplesmente, obliterados.

Estamos longe da promessa de aumentar em 50% o orçamento do Ministério da Cultura (MC), e estes 11 meses de (des)governação, demonstraram o seu contrário, nos quais (não) fomos surpreendidos pelo rol de decisões persecutórias, medidas inócuas e opções erráticas. Exemplo(s) flagrantes da falta de estratégia e do profundo desconhecimento da diversidade (e complexidade) das estruturas tuteladas (pelo MC) e do tecido artístico português.

As enormes assimetrias territoriais implicam a necessidade imperiosa de continuar a investir em políticas de coesão territorial, daí os incentivos à Rede de Teatros e Cineteatros Portugueses (RTCP) e à RedePortuguesa de Arte Contemporânea (RPAC), instrumentos fundamentais para prosseguir a missão de fomentar (e descentralizar) o acesso às artes, mas cujo novo ciclo de concursos à programação não acompanha a inflação, nem a dinâmica crescente. O que na prática é mais uma evidência do retrocesso anunciado.

A campanha eleitoral termina na próxima sexta-feira e, infelizmente, a Cultura é sistematicamente ignorada no roteiro eleitoral. No entanto, honra seja feita à esquerda, em particular, ao Partido Socialista, que tem chamado à atenção para a importância dos apoios nacionais na sedimentação da actividade artística nos Açores e como isto tem contribuído (ou poderá estimular) à fixação, profissionalização e valorização de recursos humanos especializados.

Para melhor atendermos à dimensão alcançada, o montante anual de apoios da DGARTES injectado no arquipélago é (hoje) superior a 1.5 milhões de euros. E esta possibilidade só foi tornada possível com um governo do Partido Socialista, o qual, desde 2018, viabilizou o acesso aos artistas e instituições regionais às linhas de financiamento nacional (e é, actualmente, o garante de parte substantiva da criação artística na região, do funcionamento de várias estruturas e da segurança laboral dos seus profissionais).

Perante o “fosso ético” para o qual o primeiro-ministro arrastou o governo e o país, a 18 maio, a nossa opção de futuro recai, inexoravelmente, por um caminho que não se constitua como uma desvalorização, um entrave ou, até mesmo, uma estagnação (por tudo aquilo que tem sido arduamente conquistado).  

[+] publicado na edição de 13 maio 2025 do Açoriano Oriental e online no Diário da Lagoa

[++] imagem Cães do Mar

terça-feira, 29 de abril de 2025

Movimento(s), por uma política integrada regional para o livro e leitura

O Dia Mundial do Livro e dos Direitos de Autor celebra-se a 23 abril, foi comemorado, em São Miguel, com várias iniciativas, das quais destacaria a inauguração da exposição “Fumo do Meu Cachimbo” de Dias de Melo, na Biblioteca Pública e Arquivo Regional de Ponta Delgada, e a “Festa do Livro” na livraria (e editora) Letras Lavadas.

Simbolicamente, o MOVA - Movimento Cívico pela Cultura dosAçores deu, também, a conhecer a sua proposta para a criação de uma Política Integrada Regional para o Livro e Leitura, a qual recomenda a implementação e adopção de um amplo conjunto de acções, entendidas como essenciais para “a redução de desigualdades sociais” e “para construir uma sociedade mais educada, justa e inclusiva.”

O comunicado do MOVA é mais uma tomada de posição pública (coerente), assumindo a dianteira da representação do sector cultural e criativo dos Açores, junto dos poderes instituídos, neste particular, no recentrar da importância do livro junto do papel que representa (e pode significar) no desenvolvimento económico e social deste território.

Os problemas estão amplamente diagnosticados e carecem somente de uma estratégia que permita uma ágil actuação no terreno, coadjuvada pelos recursos necessários, e consentânea com a missão das instituições associativas, privadas e públicas (que lutam todos os dias por uma gritante falta de meios).

Considero esta recomendação muito pertinente, em múltiplas dimensões, até porque vivemos num momento paradoxal, onde assistimos à proliferação de pequenas editoras, cada vez mais especializadas e de nicho, e ao crescimento do consumo do livro por parte de um público mais juvenil (segundo o estudo da Nielsen/GFK para a Associação Portuguesa de Editores e Livreiros (APEL) sobre os hábitos de compra e de leitura dos portugueses).

Curiosamente, o programa cheque-livro no valor de 20 euros, pelos jovens nascidos em 2005 e 2006, num universo estimado de 220 mil potenciais beneficiários, foi prolongado até 15 de Julho porque a sua utilização ficou abaixo das expectativas. Segundo os dados partilhados pela Direcção-Geral do Livro dos Arquivos e das Bibliotecas (DGLAB), até 21 abril, véspera do fim do prazo, tinham sido emitidos 44.959 cheques-livro, tendo sido utilizados 34.442, o que na prática significa que mais de 185 mil destes cheques ficaram por utilizar. Existem várias razões apontadas, como o valor da medida ou os procedimentos administrativos para a sua emissão.

Desconheço os dados da medida regional, ou mesmo a adesão dos jovens leitores açorianos à iniciativa nacional, mas seria útil uma disponibilização para a sua melhor análise.

Termino com a leitura crítica de Mário Vargas Llosa, falecido recentemente, na qual explicita (na sua obra “A Civilização doEspetáculo”) que “o escritor pode prestar um serviço aos seus contemporâneos e salvar o seu ofício da deliquescência em que às vezes parece estar a cair. Se se tratar apenas de entreter, de fazer o ser humano passar um bocado agradável, mergulhado na irrealidade, desligado da sordidez quotidiana, do inferno doméstico ou da angústia económica, numa relaxada indolência espiritual, as ficções da literatura não podem competir com as que fornecem os ecrãs, grandes ou pequenos. As ilusões forjadas com a palavra exigem uma participação ativa do leitor, um esforço de imaginação e, às vezes, tratando-se de literatura moderna, complicadas operações de memória, associação e criação, algo de que as imagens do cinema e da televisão dispensam os espectadores. E estes, em parte por causa disso, tornam-se a cada dia mais preguiçosos, mais alérgicos a um entretenimento que seja intelectualmente exigente.

Os desafios do presente, convocam-nos a todos (sociedade civil), pelo que não podemos remeter as responsabilidades (apenas) para quem decide, os quais devem ser impelidos, isso sim, a melhor governar.

[+] publicado na edição de 29 abril 2025 do Açoriano Oriental

[++] imagem Quetzal

terça-feira, 15 de abril de 2025

Caudal








No último dia da edição, deste ano, do TREMOR, participei no Caudal, uma mesa-redonda em registo informal, a partir da exposição Ponto de Partida, presente no Centro Cultural da Caloura, para uma troca de testemunhos em torno de um conjunto vasto de questões, sobre o passado, presente e futuro (cultural) dos Açores.

O calor e o sol da tarde convidavam a outros prazeres, mas a moderação conduzida pela Maria Emanuel Albergaria, coordenadora intermunicipal do Plano Nacional das Artes, conseguiu agregar a atenção de um punhado de festivaleiros.

Nestes encontros, a conversa tende (não raras vezes) para uma catarse colectiva, invariavelmente, sobre as dificuldades existentes (leia-se financiamento), mas a troca de experiências dos vários intervenientes (NinaMedeiros, Sofia Botelho e Victor Almeida, de gerações distintas) e o diálogo com os participantes fez fluir a partilha.

Muitos dos temas elencados (acessibilidades, diversidade programática, educação e ensino), estão há muito diagnosticados, persistem no espaço e no tempo, com a inerente actualização dos desafios que hoje existem, num mundo cada vez mais global, em que a exigência dos públicos e de um conjunto amplo de agentes, cada vez mais profissional, pressiona as instituições públicas para uma resposta que, na maioria das vezes, não conseguem dar. Aqui, chegamos ao paradoxo em que nos encontramos.

O apoio nacional às entidades regionais consignado pela DGARTES – Direção-Geral das Artes, desde 2018, veio repor uma injustiça com décadas. A possibilidade de apoio (reforçado) à comunidade artística local tem feito consolidar, desde essa data, um conjunto de estruturas e de profissionais, e com isso a sustentação de uma programação regular e a participação em rede com uma plêiade de parceiros nacionais e internacionais.

O TREMOR é disso um exemplo referencial.

Por estes dias, a ultraperiferia passa a ser um centro na difusão, na escala certa, de novos nomes da cena alternativa internacional, assim como, de importantes projetos comunitários locais, e de novos artistas regionais que aqui têm a atenção de um público maioritariamente internacional (este ano vieram de 29 países) e da imprensa especializada.

Do outro lado temos as instituições públicas (onde incluo, inclusive, a DRaC - Direção Regional da Cultura), importantes parceiros destas entidades locais, convocadas para agir reciprocamente, mas com muitas limitações na sua missão, sobretudo, devido a questões de funcionamento (orçamento e manutenção) que devoram e limitam a atenção para aquilo em que deviam estar concentradas em fazer, o apoio intransigente e incondicional ao desenvolvimento da actividade cultural (e artística) regional (e a sua intermediação em rede, dentro e fora da região).

A pertinência é absoluta, num momento da história em que fervilha a discussão em torno dos paradigmas das políticas culturais, nomeadamente, aqueles em que entrecruzam os conceitos de “democratização da cultura” e “democracia cultural”. No primeiro, pretende-se o “alargamento da cultura ‘legitima’ ao maior número possível de pessoas” com a pretensão de reduzir as “desigualdades de acesso à cultura erudita”; o segundo, “reivindica um conceito mais alargado de cultura, dando primazia à cultura de base comunitária, sensível à diversidade cultural (…) sem desprimor pelas práticas artísticas amadoras” (Práticas Culturais dos Portugueses, ICS/FCG).

Estes são dados incontornáveis para a intensificação de políticas culturais (regionais) que implicam, forçosamente, o acesso ao conhecimento sobre hábitos, práticas e gostos culturais que não abundam no país e que no arquipélago são residuais (ou inexistentes).

Neste momento, importaria não abdicar ou reduzir a torrente do “caudal” que brota das ilhas, com risco de o mesmo jorrar para lado nenhum e perder todo o seu fulgor e vitalidade (crescentes).

[+] publicado na edição de 15 abril 2025 do Açoriano Oriental

[++] imagem RTP/A

quarta-feira, 19 de março de 2025

Quanto menos o ignorarmos (melhor será)










Março é sinónimo de BTL, a Bolsa de Turismo de Lisboa que agora se passou a chamar Better Tourism Lisbon, ponto de paragem obrigatória para todas as regiões turísticas do país que ali intentam reinventar-se, apresentando o seu produto e o melhor que têm para oferecer.

Este ano, a estratégia turística apresentada pelos Açores aponta para um: “Turismo Todo o Ano em Todas as Ilhas”. Uma ambição de sempre, bem-intencionada, mas cuja implementação nas ilhas mais pequenas carece de múltiplos factores (difíceis de medir e controlar), em particular, a predisposição dos residentes para a prestação de serviços, a escala ou os transportes. Sabendo de antemão que a actividade turística não será experienciada por todos, da mesma forma e com a mesma intensidade (e rentabilidade).

Os Açores são um território desfragmentado geograficamente, muito sensível, ambientalmente, e muito frágil economicamente.

A exuberância das nossas paisagens, não garante a excelência ambiental, e a nossa prática quotidiana contradiz, muito do que afirmamos deter como destino turístico sustentável. Quanto menos o ignorarmos, melhor será.

O inquérito à satisfação do turista que visitou os Açores durante a época baixa 2023/2024 (novembro de 2023 a março de 2024), implementado pelo Observatório do Turismo dos Açores (OTA), revelou que, segundo noticiou o Açoriano Oriental, um em quatro turistas (24,6%) admitiu ter conhecimento da certificação internacional de destino sustentável da Região. E que, apenas, 2% dos turistas inquiridos (370 inquéritos, em 3 ilhas do arquipélago, para um universo total de aproximadamente 171 mil hóspedes), admitiram ter viajado para o destino com base neste reconhecimento.

Independentemente da positividade dos resultados (76,9% dos turistas terão ficado satisfeitos ou muito satisfeitos, e 85,9% demonstraram que o destino correspondeu às suas expectativas), muitos destes dados devem ser alvo de ampla reflexão (desconheço se o são), particularmente, os que enquadram o perfil de quem nos visita, cujo conhecimento, experiência e habilitações não são negligenciáveis.

O transporte público terrestre, a restauração ou a programação cultural (e a animação turística, sectores diferentes, mas complementares) são aspectos que os turistas apontam como os mais frágeis e que carecem de melhoria. Escusado será dizer que, apesar da evolução ocorrida nos últimos anos, estes sectores têm sido sinalizados (recorrentemente) na monitorização às insuficiências dos serviços prestados aos turistas.

Neste capítulo, Alice Sousa Lima (Presidente da Associação Regional de Empresas de Animação Turística), em entrevista a este jornal, refere que existem vários desafios, a começar pela fiscalização às empresas ilegais, referindo, inclusive, que existe um “mercado paralelo enorme” e que estas empresas “dão mau nome à Região.” Complementarmente, noutra entrevista, Pedro Rodrigues, outro empresário da animação turística, assinala outra evidência a ter em conta: “há muita gente a fazer a mesma coisa, e é preciso haver um pouco mais de imaginação para oferecer experiências diferentes”.

A promoção turística é uma ferramenta fundamental para o crescimento da notoriedade do destino Açores. Contudo, os anos passam e não se vislumbram melhorias significativas na articulação interdepartamental, persistindo a ausência de estratégia e posicionamento, que nos fará caminhar (paulatinamente) para a “excelência” e para o “combate à sazonalidade”. A este respeito, por exemplo, onde podemos consultar a estratégia regional para a captação de congressos e eventos (na época baixa)?

Não basta vender se não qualificarmos os serviços que prestamos, não diversificamos os pontos de visitação, nem conservarmos, ou requalificarmos os que temos.

A pior promoção do destino, será, como já sabemos, uma má experiência turística.

[+] publicado na edição de 18 março 2025 do Açoriano Oriental

[++] imagem AMRAA

quarta-feira, 5 de março de 2025

Ainda estou aqui














De que vale afirmar que um acto é legal se tresanda a falta de ética? Este é, ou tem sido, o cerne da questão (familiar) que envolve o actual primeiro-ministro, Luis Montenegro.

Em política a memória é, recorrentemente, curta. E o que parece, na maioria das vezes, é.

Ao recordar as múltiplas intervenções do anterior líder da oposição, ficamos na dúvida se estamos a falar da mesma pessoa ou se agora, agarrado ao poder, o teste do algodão passou a ser outro, no qual nos furtamos de prestar declarações, vociferamos repetidamente contra a imprensa e os jornalistas (que têm sido tremendamente benevolentes perante um governo tão fraco), passamos a vida a exigir aos outros algo que não conseguimos cumprir, que transparente mais transparente não há e (de peito aberto) abraçamos (e dramatizamos) uma nova crise como forma de sobrevivência (política), arrastando a vida pública para um (novo) pântano.

No meio desta turbulência, assistimos ao silêncio ensurdecedor da Presidência da República e ficamos a saber (pelo Observador) que Marcelo Rebelo de Sousa “não atendeu a chamada do primeiro-ministro, pois estava com outros afazeres”.

A lucidez (semanal) de António Barreto, remete-nos para a “ética republicana”, na qual “ausência de medo de perda de honra é o sentimento de impunidade. A ideia de que a justiça nunca chega ou, quando chega, é tarde e mal. (…)  A promiscuidade entre política, Administração e Justiça é tão profunda que a complacência tem esse efeito, o de “normalizar” o que não o deveria ser.

A declaração deste sábado, foi a prova da desfaçatez em que está enredado o primeiro-ministro, tanto na forma como tenta limpar a sua imagem pública à custa daqueles que lhe são mais próximos, quer na anódina tentativa de apelar à emoção, num momento que devia convocar à sobriedade, prudência e lisura, perante a natureza dos factos.

Tal como sublinhado, lapidarmente, por Pedro Adão e Silva, é “difícil encontrar uma explicação plausível para alguém pensar que o exercício de funções de primeiro-ministro era compatível com a continuidade de atividade de uma empresa (…) com clientes que existem apenas por pertenceram a uma teia de cumplicidades políticas tecida por Montenegro”. Para concluir que é “chocante tamanha dose de imprudência.”

Ao contrário do que pensa o governo minoritário de Luis Montenegro, a questão da legitimidade governamental não termina com o chumbo da monção de censura apresentada, extemporaneamente, pelo PCP, uma vez que, tal como defende Francisco Assis, o governo quer transformar este acto “numa moção de confiança”. E que perante isto, “exige-se um esclarecimento absoluto da situação: ou o Governo é sério e apresenta uma moção de confiança ou, caso contrário, o PS deve apresentar uma moção de censura."

Uma leitura mais depurada deste caso, levanta muitas outras dúvidas, até pela história recente, tanto que o constitucionalista Reis Novais afirma que o “Ministério Público deve colocar uma ação para destituição de Montenegro”, pois aparenta “existir, no mínimo, violação de obrigação de exclusividade pelo PM, e que este deveria ser, em última análise, demitido pelo PR ou destituído pelos tribunais”.

A incredulidade em torno deste assunto cresce à medida que são revelados novos dados, e o Primeiro-Ministro apenas pode queixar-se de si próprio e do novelo em que se deixou enredar.

O cenário político nacional é incerto, e o país não precisa(va) de mais crispações, tal como as nuvens que pairam no cenário internacional, onde o caminho para a paz (e o fim da guerra na Ucrânia) entraram numa perigosa deriva de proporções apocalípticas que não auguram nada de bom.

Assim como o título do filme de Walter Salles, vencedor do Óscar para Melhor Filme Internacional, Luís Montenegro vai, infelizmente, continuar a dizer “Ainda Estou Aqui” (ou a andar por aí…).

[+] publicado na edição de 04 fevereiro 2025 do Açoriano Oriental

[++] imagem VolksVargas

terça-feira, 4 de fevereiro de 2025

(sem) Rede








O livro e a leitura são instrumentos fundamentais para conseguirmos derrubar barreiras invisíveis, demasiado presentes nesta realidade, onde o conhecimento, a cultura e a educação serão, expectavelmente, as melhores armas para ultrapassar muitas das insuficiências da nossa sociedade.

Demasiadas vezes, comparamo-nos com outras latitudes (nomeadamente, escandinavas), sem equacionar esta variável como fundamental para os objectivos e desafios com que somos confrontamos.

No âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), para a internacionalização, modernização e transição digital do livro e dos autores, a Direcção-Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas (DGLAB) desenvolveu o projecto BiblioLED, uma biblioteca pública digital que permite aceder gratuitamente, através de uma plataforma, a livros digitais e audiolivros em todo o país.

A semanas do serviço ficar disponível aos seus utilizadores, ficamos a saber que, apenas, três bibliotecas municipais dos Açores (Madalena, São Roque e Praia da Vitória) constam na Rede Nacional de Bibliotecas Públicas (RNBP, criada em 1987).

A utilização do formato digital não substitui o acesso presencial (e o objecto físico), mas face às vicissitudes e condicionalismos inerentes à nossa geografia, parece-me que esta iniciativa deve(ria) ser acolhida pelos restantes municípios (regionais) que, ainda, não fazem parte da RNBP, até como forma de tornar mais próximo, junto dos utentes mais novos, um formato que lhes é, ou poderá ser, mais familiar, funcionando ambas as modalidades de forma complementar.

Podemos e devemos aproveitar todos os mecanismos ao nosso dispor para alargar as competências de toda a população. O investimento na cultura, neste caso, da leitura e do livro, não pode ser avaliado como um dispêndio sem retorno (imediato e concreto) ou na comparação com outros investimentos (tidos como prioritários para a população).

Enquanto não encararmos como básico e fundamental, a criação e a fruição cultural, não podemos esperar resultados, nem melhorias nos rankings (de desenvolvimento), diferentes daqueles em que hoje nos encontramos.

Recordo que na sua primeira visita aos Açores e a São Jorge, no final do ano passado, a Ministra da Cultura, assumiu o compromisso de dotar o município da Calheta com uma biblioteca municipal. Este não é, ao contrário do que foi publicamente anunciado, um momento de regozijo, este episódio constituiu-se como (mais) um embaraço para (um)a Autonomia (de mão estendida).

Para além do mais, convinha que tivesse sido explicado à governante que, nesta escala, importa criar sinergias e rentabilizar recursos. Ao querer ali instalar uma biblioteca municipal, porque não realizar uma parceria com a Direção Regional da Cultura e potenciar as excelentes instalações do Museu Francisco Lacerda?

Os baixos níveis de literacia da população açoriana não deixam ninguém indiferente, pelo menos, não deviam.

Desconheço os dados regionais, reconheço que a falha pode ser minha, pois não os encontrei (online). Mas se, neste sector, não há dados, como podemos planificar e decidir?

A percepção (para usar uma designação em voga na leitura destes dias) é que o problema não se resolve com a atribuição de um cheque-livro. Esta é uma medida simbólica, a qual foi, naturalmente, bem recebida pelas poucas livrarias que resistem na região, e que desesperam por políticas concretas. Tal como em outras áreas, estas acções implicam um tempo de implementação e investimento, continuado e articulado, nomeadamente, entre a Cultura e a Educação, envolvendo (ou alterando) o famigerado Plano Regional de Leitura.

Num momento em que a inteligência artificial (IA) parece ser a receita para todas as conveniências, parece-me que estamos em falta com a instalação de um software (social) que nos ajude a computar a outra velocidade, na exacta medida em que “escolher as palavras é como escolher roupa para vestir” (Mariano Sigman).

[+] publicado na edição de 04 fevereiro 2025 do Açoriano Oriental

[++] imagem RNBP

terça-feira, 21 de janeiro de 2025

Inexplicável


A Romanti Cultura promoveu no Grand Hotel Açores Atlântico, em Ponta Delgada, uma conversa para debater o turismo cultural, nomeadamente, sobre o papel que a Cultura e as Artes podem ter no contributo para um destino turístico de valor acrescentado.

As conversas nunca são demais, e no caso da cultura, são raras e acabam, na maioria das vezes, por gerar mais perguntas que respostas. Neste dia, o painel foi consensual ao admitir que um dos maiores desafios a ultrapassar residia na escassez do investimento em comunicação, ou de que esta seria decisiva para vencer os desafios que se colocam na promoção do turismo cultural, em particular, numa região pequena e dispersa (como os Açores).

Discordo, parcialmente, deste princípio. A comunicação é, obviamente, um eixo central no trabalho das instituições culturais. É um meio, não o seu fim. Caso não exista um produto ou uma oferta qualificada e sistematizada, dificilmente teremos a notoriedade que pretendemos.  

Contudo, destacaria a intervenção final de João Paulo Constância, diretor do Museu Carlos Machado, ao referir a importância de analisar o perfil, a origem e as expectativas dos visitantes internacionais quanto à oferta existente e ao que podemos propor, na certeza que a Cultura surgirá (sempre) num plano complementar à Natureza.

Em dezembro de 2022, o ex-Ministro da Cultura, Pedro Adão e Silva, anunciou a iniciativa Capital Portuguesa da Cultura, com um financiamento de 2 milhões de euros (aos quais se somam os orçamentos de cada cidade).

Para além do reconhecimento e do mérito das candidaturas finalistas à Capital Europeia da Cultura em 2027, esta foi, igualmente, uma aposta de futuro, com o intuito de dar continuidade ao trabalho desenvolvido, ao permitir viabilizar, corrigir ou dar resposta a determinados constrangimentos identificados nos processos de  mapeamento cultural realizados por cada cidade/território/região.

Os orçamentos são, naturalmente, distintos, reflectindo o compromisso, a escala e o impacto que cada qual pretende(u) estabelecer: Aveiro 2024, contou com um investimento global de 8 milhões de euros; Braga 2025, anunciou um orçamento de 13,5 milhões e Ponta Delgada investe cerca de 3 milhões, sendo que não é claro, na informação disponível, se este valor já contempla os 2 milhões de financiamento nacional e regional (neste caso o valor orçamental passará para os 5 milhões de euros).

A programação anual das várias capitais portuguesas da cultura, entre 2024 e 2026, culminará com a realização de Évora 2027 – Capital Europeia da Cultura, um processo que tem passado por alguma convulsão, resultando na saída da equipa que liderou o projecto de candidatura, gerando um amplo coro de reações, nacionais e internacionais, na crítica à manifesta interferência política na estrutura de gestão.

Infelizmente, o país tem um histórico conturbado nos modelos de gestão das várias capitais europeias da cultura que já acolheu: Lisboa (1994), Porto (2001), Guimarães (2012) e agora em Évora (2027).

A 25 janeiro arranca o programa de abertura de Braga, Capital Portuguesa da Cultura. Paradoxalmente, à data que escrevo este texto, a equipa executiva de Ponta Delgada 2026 não iniciou, formalmente, as suas funções.

As legítimas expectativas da comunidade criativa e da população, são elevadas. Tivemos ao nosso dispor, todo o tempo necessário para preparar atempadamente este processo. Independentemente dos procedimentos burocráticos a ultrapassar, este compasso de espera é, a todos os níveis, inexplicável.

Por mais importante que seja a comunicação, sem um projecto programático sólido e impactante, entre o risco do que é o novo, e o equilíbrio na transmutação da dimensão local e o confronto com aquilo que nos chega(rá), a nível nacional e internacional, não será uma campanha promocional que nos irá socorrer.

Hoje, já seria tarde.

[+] publicado na edição de 21 janeiro 2025 do Açoriano Oriental

[++] imagem Azores 2027

domingo, 12 de janeiro de 2025

Leituras destes dias

 

Ontem com o Correio dos Açores: "Eu sinto que, politicamente, toda a gente defende os artistas regionais, mas é importante que compareçam na sala para os apoiar. Se não comparecerem, demitem-se também desse papel de espectador."

terça-feira, 10 de dezembro de 2024

O papel da Cultura










Nos Açores, assistimos, nas últimas duas décadas, à criação de uma moderna rede de equipamentos e de infraestruturas culturais, a par de um conjunto significativo de transmutações no sector cultural e criativo.

O surgimento de novas entidades pautou-se por uma vitalidade crescente, com múltiplas atividades a decorrer nas várias ilhas, resultando na renovação do sector associativo, no eclodir de novas formas artísticas e no desejo de jovens com formação específica (e superior) em querer fixar-se na região e desenvolver o seu trabalho a partir deste território.

A abertura dos apoios nacionais aos agentes culturais açorianos (em 2018) fez com que o caminho profissionalizante se operasse com outro fulgor, repondo equidade e justiça no acesso a condições e oportunidades idênticas aos restantes profissionais em território nacional.

Este caminho de modernidade (de crescente profissionalização) não retira responsabilidade às instituições públicas regionais. Bem pelo contrário. Implica-as, sobremaneira, agindo em complementaridade com o financiamento externo, sem excluir ninguém, por forma a dar a melhor resposta às exigências e ambições dos artistas, das entidades e de um público mais exigente.

É necessário perspectivar o futuro sem negligenciar o passado, no equilíbrio entre a riqueza identitária que nos une (e diferencia) e a contemporaneidade que habita o presente, conscientes das assimetrias e das idiossincrasias de um território geograficamente disperso, o que, ao invés de se constituir como uma fatalidade, deverá ser encarado como um desafio permanente a que temos de saber dar resposta.

Para atribuir significado ao que aqui defendemos, são necessárias e fundamentais políticas culturais adaptadas a este tempo, às instituições e à pluralidade de agentes e actores que interagem neste palco multifacetado.

É por esta ideia de futuro que devemos pugnar, pelo investimento e pela capacitação continuada dos indivíduos, como cidadãos/criadores informados e interventivos nas suas comunidades, atentos ao seu território, mas abertos ao mundo, ao invés de um olhar que interpreta o indivíduo como uma audiência ou uma massa amorfa (de consumidores culturais).

A Cultura permite diferenciar o território e tem um papel decisivo na qualificação da oferta turística. A vida cultural das diversas ilhas da região, incluindo o património, é um dos principais impulsos que levam as pessoas – tanto residentes, como turistas – a querer conhecer o(s) lugar(es).

No tempo (histórico) em que nos encontramos, é necessário e fundamental que a Cultura assuma um papel primordial na estratégia de desenvolvimento social e económico da região.

Esta é uma síntese do texto que fundamenta a monção sectorial que submeti ao 19º Congresso Regional do Partido Socialista e que foi aprovada, por unanimidade, no final de Novembro, na reunião do Conselho Regional, a qual assume um carácter ainda mais prioritário, quando ficamos a saber que as famílias açorianas são as que menos gastam (despesa total anual média por agregado), em lazer, recreação desporto e cultura, em comparação com o restante território nacional (€534 Açores, contra €652 na Madeira e €861 no Norte, e abaixo da média nacional: €795. Dados do INE, retirados das Estatísticas da Cultura - 2023).

Tal como já pugnei, em múltiplos contextos, urge dotar o sector cultural de maior autonomia na esfera governamental, alterar a arquitetura do seu funcionamento (organização e estratégia), capacitando-a com um orçamento que o dignifique e que seja capaz de responder a quem, neste sector, trabalha. E que, desta forma, possa contribuir (activamente) no combate às crescentes desigualdades (regionais e sociais).

[+] publicado na edição de 10 dezembro 2024 do Açoriano Oriental

[++] fotografia Arquipélago - Centro de Artes Contemporâneas

domingo, 1 de dezembro de 2024

Transporte colectivo (sem) passageiros








O período pós-pandémico, convencionou chamar-se “novo normal”, a retoma de uma nova rotina, na ressaca dos impactos gerados pela emergência médica que todos experienciamos, de forma (mais e menos) intensa. Nesta aparente normalidade, o inusitado passou a ser norma, e o que antes era motivo de indignação, está hoje “normalizado” e passa por convencional.

Vem este intróito a propósito de um título, deste jornal, na edição de 17 novembro: Menos 3,5 milhões de passageiros em 10 anos nos transportes públicos.

A notícia analisa um conjunto de dados estatísticos, no período de uma década, entre 2013 e 2023, na qual é patente a enorme perda de passageiros, menos 3.5 milhões (de 9 para os actuais 5.5 milhões), uma queda de 38%, de acordo com os números do Serviço Regional de Estatística (SREA), sendo que a redução mais acentuada foi registada em São Miguel, com menos 43% de passageiros, seguida da Terceira com menos 30%, tendência que, em 2024, se mantém.

Apesar das perturbações no serviço, e de várias chamadas de atenção, o concurso público para concessão do serviço de transporte colectivo de passageiros na ilha de São Miguel, não foi lançado, mas deverá acontecer “ainda este ano”.

A argumentação para este atraso é justificada pela complexidade do processo, e por opções técnicas, relativas à renovação de frotas e para o “grande desígnio da descarbonização”. Em nenhum momento ouvimos falar de passageiros, e do “calvário” por que passa quem (diariamente) utiliza transportes públicos.

Como tem sido notícia, têm existido alguns condicionalismos na prestação do serviço de transporte, e os motoristas já tornaram público o seu descontentamento, na justa reivindicação pela melhoria das suas condições de trabalho, fazendo com que, não raras vezes, horários e itinerários sejam suprimidos sem que o utente tenha sido informado, ou seja comunicada uma alternativa, muito menos, uma compensação, por parte dos concessionários (que contam com o beneplácito das autoridades).

Importaria que o novo concurso público de passageiros de São Miguel (60% do total dos utentes da região), tivesse em linha de conta os seus utilizadores. Será que já ouviram o que têm a dizer?

De igual modo, não deveríamos questionar a concessão de um serviço que perdeu quase 40% dos seus utentes, seja realizado nos mesmos moldes sem que haja uma profunda alteração dos seus pressupostos, e sobre as razões que estão na génese desta redução, ou estamos dispostos a pagar por um “serviço fantasma”?

Por estes dias, já ninguém se recorda do projecto da central de camionagem (no centro) de Ponta Delgada, que não passou de uma proposta inconsequente (e irreflectida). No entanto, o tempo apenas provou que não existia uma estratégia, nem uma real preocupação com a vida dos munícipes do concelho mais populoso (e dos residentes da maior ilha dos Açores). Apesar da gestão autárquica ser a mesma há mais de 30 anos, está tudo quase na mesma, e os desafios à mobilidade, na cidade e no concelho, são enormes. Não existe um plano rodoviário condizente com as necessidades actuais, nem uma resposta adequada, e concertada, para a fluidez que se exige.

Deixo esta questão para reflexão, qual o investimento público (prioritário) que absorve 12,6% do PRR confiado aos Açores (92 de 725 milhões de euros)? Estradas (ou circulares), registadas como “circuitos logísticos”.

Continuamos a privilegiar a utilização do automóvel, em detrimento do transporte público, inclusive, a quem nos visita, uma vez que os turistas são automaticamente reencaminhados para o carro de aluguer que pulula por aí…

Enquanto não ultrapassamos este modelo de desenvolvimento assente em desígnios do passado, dificilmente poderemos consubstanciar um (novo) futuro.

[+] publicado na edição de 26 novembro 2024 do Açoriano Oriental

terça-feira, 12 de novembro de 2024

Indolência

"Um Inverno nos Açores e um Verão no Vale das Furnas", escrito pelos irmãos Joseph e Henry Bullar e publicado originalmente em 1841 (o qual merece ser republicado, devidamente editado, e melhor divulgado), é uma narrativa que descreve minuciosamente, em vários capítulos, as experiências de viagem dos autores britânicos durante a sua permanência nos Açores.

Este não é apenas um diário de viagem, é considerado um importante registo histórico e etnográfico sobre a vida no arquipélago, daquele período, no qual dedicam uma atenção especial aos banhos quentes e ao termalismo, em particular, na vivência da população de São Miguel. Os banhos termais são descritos não apenas como uma experiência tranquilizante, mas também como uma prática terapêutica para tratar uma infinidade de maleitas, desde as doenças de pele, problemas respiratórios e de reumatismo.

Vem esta referência literária a propósito de uma intervenção do professor João Carlos Nunes, diretor científico do Instituto de Inovação Tecnológica dos Açores (INOVA), realizada no Azores Tourism Summit. No painel ‘Recursos Hidrotermais e Termalismo nos Açores: Potencial, Oportunidades e Desafios’, defendeu o potencial endógeno associado a este recurso, o qual, no seu entender, não tem sido devidamente explorado, sendo necessário “passar das palavras aos atos e efetivamente tornar o termalismo um produto-chave no turismo dos Açores” (Açoriano Oriental, 4/11/24).

Nas Flores, no Faial, na Graciosa, na Terceira e em São Miguel existem águas termais e recursos capazes de desenvolver o termalismo, cada qual com “diferentes características”, como um importante activo na qualificação (diversificação e complementaridade) da actividade turística e na capacitação do turismo de saúde e bem-estar. Bem como, seguindo o exemplo de práticas ancestrais, na assumpção de boas práticas e na melhoria dos cuidados de saúde prestados aos residentes.

Para João Carlos Nunes, este recurso não se esgota num único uso, pode e deve ser empregue em “sistemas de aquecimento ambiental e em áreas como a dermocosmética ou a farmacologia”.

Quando falamos de sustentabilidade ambiental, deve estar implícito o compromisso da exploração racional dos recursos naturais que estão ao nosso dispor, no respeito por um forte viés identitário e cultural mas, simultaneamente, de cariz inovador.

Ao analisarmos as tendências mundiais associados a este tipo de turismo, nomeadamente, através do trabalho desenvolvimento pelo GlobalWellness Institute (GWI) ou a European Spas Association (ESPA), podemos conferir que existe uma opção crescente na procura turística por destinos de saúde, bem-estar e lazer em estreita relação com a natureza.

O investimento realizado não tem sido consistente e, há uns anos a esta parte, foi abandonado (e/ou negligenciado). Independentemente da autoria da iniciativa, o que importa aos poderes instituídos é desenvolver, e nutrir, um recurso diferenciador, e atractivo, para o visitante e, sobretudo, para quem aqui reside.

No roteiro turístico, os Açores são, hoje, maioritariamente reconhecidos, por um imaginário construído, no século XIX, pelos ‘gentlemen farmers’, na introdução de novas culturas (ananás, chá), no desenvolvimento de uma paisagem humanizada (extractiva) e pela introdução de múltiplas espécies exóticas (Parque Terra Nostra, Jardim António Borges, Jardim José do Canto) que são assumidas como imagens distintivas da nossa exuberância ambiental.

E que legado, destes dias, será perpetuado?

Não será despiciendo recuperar os conselhos dos irmãos Bullar, na medida em que devemos evitar passar o tempo numa “cuidada indolência”, nem cair na ilusão dos efeitos dos “barcos transatlânticos” e de “outros luxos” que transformem, este lugar “pacato e saudável” numa “segunda Madeira”.

[+] publicado na edição de 12 novembro 2024 do Açoriano Oriental

terça-feira, 29 de outubro de 2024

Equilíbrio(s)

Após o crescimento exponencial da actividade turística, nos anos seguintes à pandemia, o relatório do Fundo Monetário Internacional (FMI), sobre Portugal, revela que o peso do turismo no total da criação de riqueza do país tenderá a diminuir (até 2029).

A principal razão para esta trajectória, reside no abrandamento da economia global, com inevitáveis repercussões nos principais mercados emissores. O turismo é, neste momento, o garante do excedente na balança comercial (em comparação com a exportação de bens), fazendo com que qualquer perturbação externa tenha um forte impacto na cadeia de valor.

Não obstante estas previsões, os dados da Associação da Hotelaria de Portugal (AHP), no período entre junho e setembro, deste ano, sinalizam uma taxa de ocupação média de 81% (nos Açores e Madeira o valor chegou aos 91%, com um subsequente aumento nas receitas e na duração das estadas).

Os indicadores são promissores, mas ao passo que a época alta já não constitui um desafio na pressão pela procura pelo destino (Açores), cuja promoção tem de ser continuadamente trabalhada, a sazonalidade turística é o desafio que, de momento, importa mitigar.

Tal como referido, recentemente, pelo representante da Associação do Alojamento Local dos Açores, “torna-se urgente assegurar um fluxo turístico contínuo ao longo de todo o ano, sendo, no entanto, necessário um maior investimento e planeamento antecipado, para que todas as ilhas possam beneficiar de forma justa e equilibrada, através de uma distribuição de fluxos turísticos mais cuidada”.

A distribuição equitativa dos fluxos turísticos por todas as ilhas é algo pelo qual devemos pugnar, sabendo de antemão que as condições de acolhimento (oferta de alojamento, restauração, animação turística, viaturas de aluguer, transportes públicos), em todas elas, diferem consideravelmente.

Para além do mais, importaria saber qual a receptividade dos residentes ao incremento da actividade turística, na medida em que é necessária uma disponibilidade acrescida de quem trabalha, nesta área, sobretudo, quando se trata do tempo de lazer (ou de férias) de quem nos bate à porta. E isto, como sabemos, não é óbvio.

O crescimento do turismo no arquipélago é fruto do investimento na notoriedade externa, da melhoria transversal na oferta e da complementaridade dos serviços, em que a natureza foi, e continua a ser, o nosso melhor cartão de visita, aproveitando uma tendência crescente pela procura de locais alternativos (ao turismo de massas), nomeadamente, no turismo de natureza, e como fuga aos locais instituídos e aos roteiros obrigatórios.

Em The Tourist Gaze (1990), John Urry introduz o conceito “tourist gaze”, o qual explora a forma como os turistas olham e interagem com os destinos que visitam.

Para Urry, a democratização do turismo, embora possa conter aspectos positivos, levanta um conjunto de questões e de ambiguidades, na medida em que a expansão da actividade turística poderá conduzir à homogeneização e ao consumo das experiências de forma padronizada, reduzindo a autenticidade dos locais e transformando-os em produtos (indiferenciados) para atender à crescente procura. 

O equilíbrio que procuramos balança, de forma ténue, na intermediação de interesses aparentemente antagónicos, e de diferentes percepções sobre o que significa um crescimento sustentável, sujeito a posições erróneas e que podem gerar equívocos sobre aquilo que queremos ser.

Quando afirmamos que não somos, nem queremos ser um destino de massas, estamos a dizer exactamente o quê?


[+] publicado na edição de 29 outubro 2024 do Açoriano Oriental

terça-feira, 15 de outubro de 2024

Contraciclo

A produção de electricidade a partir de fontes de energia renovável na ilha de São Miguel, e nos Açores, tem sido um desígnio alimentado nas últimas duas décadas, com o objetivo de reduzir a dependência de combustíveis fósseis, garantir a independência energética, na medida do que é possível e, concomitantemente, diminuir as emissões de carbono.

No período pós-COVID19, assistimos ao aumento exponencial do consumo energético, sobretudo, por intermédio de novas construções e da reabilitação urbana, maioritariamente, no sector turístico, da proliferação de equipamentos de climatização (que visam dar resposta ao crescente aumento da temperatura), por períodos cada vez mais alargados, e da intensificação de electrificação automóvel (e transportes), os quais constituem-se como novos desafios à produção de electricidade renovável (e não só). 

Este cenário levanta, inevitavelmente, questões sobre a capacidade do sistema eléctrico da ilha em acompanhar o crescimento da procura de energia, sem comprometer os objetivos de sustentabilidade.

As nossas principais fontes de energia renovável (valores anuais acumulados no período homólogo: setembro 2024/2014, dados EDA) são a geotermia (35,3%: 2024, que contrastam com os 43,7% de 2014), a hídrica (5,2%: 2024, 5,5%: 2014) e, em menor escala, a eólica (3%: 2024, 5,1% em 2014). 

Nos Açores, tal como no resto do país, as políticas públicas têm incentivado a aquisição de veículos elétricos através de subsídios e benefícios fiscais. No entanto, a produção de electricidade enfrenta múltiplas limitações, uma vez que, apesar da aposta em fontes renováveis, uma parte significativa da eletricidade continua a ser gerada, como já vimos, por centrais térmicas a partir de combustíveis fósseis (em São Miguel o valor é superior em 10% ao que era produzido há uma década).

A necessidade de descarbonização é um objectivo fundamental nas políticas para a transição energética, mas no ponto em que estamos, este desiderato comporta uma enorme contradição, na medida em que o incentivo à aquisição de veículos elétricos conduz à redução da dependência dos combustíveis fósseis, mas a eletricidade que os alimenta é, ainda, em grande medida, produzida por fontes não renováveis.

Apesar disto, não podemos ignorar que a insularidade impõe barreiras logísticas e económicas que tornam mais exigente a implementação de novos sistemas energéticos. 

Os condicionalismos na expansão da produção de energia renovável, em particular, da geotermia, na ilha de São Miguel, são sobejamente conhecidos, as barreiras geográficas (e a impossibilidade de interligação com outras redes eléctricas), os relacionados com as limitações tecnológicas (na variabilidade entre a produção e a procura, entre as horas de pico e vazio e a impossibilidade do seu armazenamento), e as inerentes dificuldades e custos operacionais da sua exploração. Contudo, devemos estar mais focados nas soluções, e menos nos problemas e na justificação do nosso atraso. 

A Estratégia Açoriana para a Energia 2030 (publicada em dezembro de 2022) prevê, até 2030, uma meta relativamente ambiciosa, produzir 70% de eletricidade renovável pelo aumento do rácio de produção de eletricidade a partir de fontes de energia renovável (recordo que o valor nacional é de 80% e que a região previa, em 2015, que fosse possível alcançar os 78% em São Miguel).

Neste dado momento, os indicadores apontam em sentido contrário (e em contraciclo com tudo aquilo que é defendido individual e colectivamente), pelo que será determinante retomar o caminho certo (para não ser lido como greenwashing), o do investimento continuado no incremento da produção de energia renovável. 


[+] publicado na edição de 15 outubro 2024 do Açoriano Oriental

sexta-feira, 4 de outubro de 2024

Erro(s)

Nos últimos anos, Ponta Delgada tem assistido ao aumento exponencial do número de turistas que aportam à cidade (e à ilha). Este crescimento tem representado, cumulativamente, um acréscimo na circulação de automóveis nas nossas ruas.

O fluxo diário de milhares de carros, em ruas estreitas e com falta de estacionamento, somada às frotas de veículos de aluguer tem conduzido ao aumento nos tempos de deslocação, de acidentes e à irritabilidade, quer de residentes, quer de visitantes.

Uma possível solução passará por incentivar o uso de transportes públicos mais eficientes e, a fundamental e necessária, criação de parques de estacionamento periféricos com transporte público (preferencialmente, gratuito ou a preços acessíveis), sem fazer convergir mais trânsito para o centro. Nesta medida, a intenção de construir um novo parque subterrâneo, em Ponta Delgada, é um erro e um paradoxo.

O incremento da actividade turística, passou a ser essencial para a economia local, mas comporta desafios que a cidade tem de saber enfrentar e dar resposta. Os erros (do presente), como já vimos, em particular, na renovação do Mercado da Graça, pagam-se caro (no futuro)!


[+] publicado na edição de 04 outubro 2024 do Açoriano Oriental

sábado, 28 de setembro de 2024

Açores: o papel da Cultura (no Novo Futuro)













Por motivos de força maior não estou presente no 19º Congresso do Partido Socialista dos Açores, a par com outros camaradas apresentamos uma moção que aponta o papel que ambicionamos para a Cultura na região. Para conferir no link.

sexta-feira, 20 de setembro de 2024

Pantone

O parlamento regional aprovou na semana passada uma proposta de resolução que visa uniformizar a legislação nacional no que concerne à cor dos táxis, passando do bege para o verde e preto, recuperando as cores que existiram até 1999.

Confrontado com esta evidência, questiono, se não teria sido pertinente inovar, realizando, por exemplo, um concurso de ideias, ou assumindo, uma identidade com a marca Açores?

Perante o incremento exponencial da actividade turística na região, será esta mudança de pantone o contributo que faltava, sobretudo, com os desafios e constrangimentos existentes na mobilidade e na desadequada oferta de transportes públicos?

Ao invés disto, até como forma de aumentar a nossa notoriedade perante o perfil do visitante, deveríamos concentrar os nossos esforços em pontos de equilíbrio, nomeadamente, na complementaridade de uma parceria entre táxis tradicionais e o transporte de passageiros em veículo descaracterizado a partir de plataforma eletrónica (TVDE), adoptando um modelo em todo semelhante a muitas cidades mundiais, através do qual os dois modelos coexistem, funcionando em conjunto ou independentemente, assumindo o condutor aquele que for mais vantajoso.

No final, ganhariam(os) todos.


[+] publicado na edição de 20 setembro 2024 do Açoriano Oriental

quinta-feira, 19 de setembro de 2024

Para bom entendedor, meia palavra basta

 

Para ler na íntegra a entrevista do Açoriano Oriental ao Professor Eduardo Paz Ferreira. 

sexta-feira, 6 de setembro de 2024

20 anos









Ninguém questiona o facto de existirem, actualmente, duas salas de espectáculo a funcionar em pleno, com equipas e programação regular e atempada. Em grande parte da década de 90, e no início dos anos 00, Ponta Delgada era uma cidade muito diferente daquela que hoje conhecemos.

Os videoclubes (o aluguer de filmes em formato VHS) que proliferavam no final dos anos 80 e início da década de 90 (hoje as novas gerações não sabem do que estamos a falar) ditaram o encerramento da exploração comercial de cinema nas maiores salas da cidade, nomeadamente, Coliseu e Teatro, e com isso o declínio e degradação de ambos os espaços que conduziram, posteriormente, à sua recuperação pelo município e governo, respectivamente.

Ao passarem 20 anos do investimento na reabertura do Teatro Micaelense, a 5 setembro de 2004, é tempo de lembrar o contributo, a centralidade e a importância que os espaços culturais assumem na melhoria da qualidade de vida das comunidades onde se inserem, na exacta medida em que "a cultura não existe para enfeitar a vida, mas sim para a transformar, para que o homem possa construir e construir-se em consciência, em verdade e liberdade, e em justiça.” (Sophia de Mello Breyner Andresen, em 1975, perante a Assembleia Constituinte, para a qual fora eleita).


[+] publicado na edição de 06 setembro 2024 do Açoriano Oriental

sexta-feira, 16 de agosto de 2024

Aviso amarelo

O Programa Regional para as Alterações Climáticas (PRAC) foi aprovado em 2019 (Decreto Legislativo Regional nº 30/2019/A), sendo que o seu 1º relatório de monitorização é de dezembro de 2022, onde se pode ler que 9% das medidas estão implementadas, 52% estão em implementação e 39% não foram implementadas.

O IPMA emitiu esta semana, pela primeira vez, um aviso amarelo para o arquipélago devido a temperaturas elevadas.

As alterações climáticas não são coisa do futuro, os efeitos são uma realidade do presente, que nos deve convocar a adoptar medidas preventivas na mitigação dos fortes impactos ambientais, em particular, em territórios frágeis e vulneráveis como o nosso.

Complementarmente ao estudo científico das alterações climáticas, devemos querer liderar o exemplo quanto ao caminho a seguir, ao contrário do que defendeu, paradoxalmente, um membro do governo regional, ao afirmar que a resposta à emergência climática não pode travar o desenvolvimento dos Açores (!).

Os sinais são por demais evidentes, é mais que tempo de passarmos do plano à acção.

PS: “O Calor É Que Te Vai Matar” de Jeff Goodell (Ed. Lua de Papel) é a minha sugestão de leitura para evitar continuar a “ignorar o óbvio”.


[+] publicado na edição de 16 agosto 2024 do Açoriano Oriental

segunda-feira, 29 de julho de 2024

Inebriados

O que é que Barcelona, as ilhas Baleares e Sintra têm em comum? Aparentemente nada, substantivamente tudo.

Assistimos, nestes três locais, a protestos distintos, mas cuja matriz é similar: motiva-os o turismo excessivo e a consequente perda de qualidade de vida dos residentes destas cidades (e regiões).

Nos Açores, afirmamos não querer ser um destino turístico massificado, mas a nossa acção colectiva aponta em sentido contrário.

Apesar da distância a que nos encontramos, os efeitos da intensificação da actividade turística já se fazem sentir e nem os conseguimos ignorar, sejam eles no congestionamento do trânsito (e da presença do número exponencial de carros de aluguer), ou no aumento do custo de vida, em particular, na habitação.

Nada tenho contra o turismo, nem contra quem dele vive, bem pelo contrário.

O que importa ressalvar é que a gestão do espaço (e do interesse) público não se faz por osmose; implica discussão e planeamento, fugindo à simplificação de toda a política pública (local e regional), que tem por justificação o turista e não o residente.

Fluímos ao sabor da maré (cheia), inebriados por uma ilusão momentânea.


[+] publicado na edição de 26 julho 2024 do Açoriano Oriental