A importância da literatura, na história e na vida cultural dos Açores, serve de bússola ao encontro literário “Arquipélago de Escritores”, realizado de 14 a 18 novembro, e que resulta, em larga medida, da saudável teimosia (militante) de Nuno Costa Santos.
O arquipélago é conhecido por ter sido berço de grandes nomes das letras nacionais, Antero de Quental, Vitorino Nemésio ou Natália Correia são (apenas) alguns dos mais reconhecidos e celebrados.
Nos últimos anos, vimos florescer um conjunto de novos valores que se têm afirmado no panorama literário nacional, onde podemos encontrar, a título de exemplo, João Pedro Porto, Joel Neto ou Renata Correia Botelho.
O encontro neste “Arquipélago de Escritores” de autores residentes, escritores (de renome) nacionais e internacionais e um público atento, fazem com que este se afirme como um momento importante no calendário cultural da região.
O carácter evocativo em torno da literatura e da memória de nomes menos conhecidos do grande público, a par do capital simbólico em realizar uma iniciativa, desta natureza, num período de menor procura turística, como forma de combate à sazonalidade do inverno açoriano, é muito pertinente mas não nos deve alhear de um factor (primordial): os escritores requerem ser lidos.
Este é, também, um tempo em que tudo flui a uma velocidade estonteante, no qual a voragem tecnológica transformou, sobremaneira, a nossa relação com a fruição cultural.
Apesar disto, o livro é, talvez, de todos os objectos culturais, aquele que melhor tem resistido ao processo de desmaterialização em curso.
Paradoxalmente, assistimos, um pouco por todo o país e em grande medida devido à torrente especulativa do mercado imobiliário, ao encerramento de livrarias históricas.
A par do surgimento de um número muito significativo de pequenas editoras especializadas, a distribuição está concentrada em grandes lojas (marcas) e outros espaços comerciais que são alimentadas pela massificação editorial que tomou conta dos escaparates.
Nos Açores, não existem muitos editores e já tivemos mais livrarias, a distribuição é frágil e a concorrência dos grandes portais nacionais (e internacionais) fazem com que o negócio seja um acto de resiliência às profundas mudanças operadas no sector (e na alteração comportamental dos consumidores).
Acredito que a educação e a cultura são imprescindíveis para o desenvolvimento sustentando de uma região como os Açores, não podemos almejar ser melhores sem alavancar social e culturalmente este povo. Esta não é uma tarefa fácil, nem existe uma fórmula mágica, mas pode e deve ser efectuada com um maior investimento (político e material) no acesso ao livro e à leitura.
Esta semana, na discussão do Plano e Orçamento dos Açores para 2020, não tenho conhecimento que tivesse sido apresentada uma proposta de alteração para aumentar em 5, 10 ou 20% o investimento no sector cultural, enquanto em qualquer outra área (económica), o investimento a fundo perdido é encarado, por exemplo, como normal (e fundamental).
A importância das humanidades tem sido sucessivamente obliterada por um mundo regido por uma fórmula automática no algoritmo do ditame financeiro que arrasta, e define, a política (pública) de muitos países e organizações, sendo certo que “o crescimento económico não gera invariavelmente melhor qualidade de vida” e porque, de forma mais ou menos transversal, “o desprezo e o desdém pelas artes e humanidades põe em risco a qualidade das nossas vidas e a saúde da nossa democracia” (Martha C. Nussbaum, Sem Fins Lucrativos, Edições 70, 2019).
* Publicado na edição de 02/12/19 do Açoriano Oriental
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