terça-feira, 12 de novembro de 2024

Indolência

"Um Inverno nos Açores e um Verão no Vale das Furnas", escrito pelos irmãos Joseph e Henry Bullar e publicado originalmente em 1841 (o qual merece ser republicado, devidamente editado, e melhor divulgado), é uma narrativa que descreve minuciosamente, em vários capítulos, as experiências de viagem dos autores britânicos durante a sua permanência nos Açores.

Este não é apenas um diário de viagem, é considerado um importante registo histórico e etnográfico sobre a vida no arquipélago, daquele período, no qual dedicam uma atenção especial aos banhos quentes e ao termalismo, em particular, na vivência da população de São Miguel. Os banhos termais são descritos não apenas como uma experiência tranquilizante, mas também como uma prática terapêutica para tratar uma infinidade de maleitas, desde as doenças de pele, problemas respiratórios e de reumatismo.

Vem esta referência literária a propósito de uma intervenção do professor João Carlos Nunes, diretor científico do Instituto de Inovação Tecnológica dos Açores (INOVA), realizada no Azores Tourism Summit. No painel ‘Recursos Hidrotermais e Termalismo nos Açores: Potencial, Oportunidades e Desafios’, defendeu o potencial endógeno associado a este recurso, o qual, no seu entender, não tem sido devidamente explorado, sendo necessário “passar das palavras aos atos e efetivamente tornar o termalismo um produto-chave no turismo dos Açores” (Açoriano Oriental, 4/11/24).

Nas Flores, no Faial, na Graciosa, na Terceira e em São Miguel existem águas termais e recursos capazes de desenvolver o termalismo, cada qual com “diferentes características”, como um importante activo na qualificação (diversificação e complementaridade) da actividade turística e na capacitação do turismo de saúde e bem-estar. Bem como, seguindo o exemplo de práticas ancestrais, na assumpção de boas práticas e na melhoria dos cuidados de saúde prestados aos residentes.

Para João Carlos Nunes, este recurso não se esgota num único uso, pode e deve ser empregue em “sistemas de aquecimento ambiental e em áreas como a dermocosmética ou a farmacologia”.

Quando falamos de sustentabilidade ambiental, deve estar implícito o compromisso da exploração racional dos recursos naturais que estão ao nosso dispor, no respeito por um forte viés identitário e cultural mas, simultaneamente, de cariz inovador.

Ao analisarmos as tendências mundiais associados a este tipo de turismo, nomeadamente, através do trabalho desenvolvimento pelo GlobalWellness Institute (GWI) ou a European Spas Association (ESPA), podemos conferir que existe uma opção crescente na procura turística por destinos de saúde, bem-estar e lazer em estreita relação com a natureza.

O investimento realizado não tem sido consistente e, há uns anos a esta parte, foi abandonado (e/ou negligenciado). Independentemente da autoria da iniciativa, o que importa aos poderes instituídos é desenvolver, e nutrir, um recurso diferenciador, e atractivo, para o visitante e, sobretudo, para quem aqui reside.

No roteiro turístico, os Açores são, hoje, maioritariamente reconhecidos, por um imaginário construído, no século XIX, pelos ‘gentlemen farmers’, na introdução de novas culturas (ananás, chá), no desenvolvimento de uma paisagem humanizada (extractiva) e pela introdução de múltiplas espécies exóticas (Parque Terra Nostra, Jardim António Borges, Jardim José do Canto) que são assumidas como imagens distintivas da nossa exuberância ambiental.

E que legado, destes dias, será perpetuado?

Não será despiciendo recuperar os conselhos dos irmãos Bullar, na medida em que devemos evitar passar o tempo numa “cuidada indolência”, nem cair na ilusão dos efeitos dos “barcos transatlânticos” e de “outros luxos” que transformem, este lugar “pacato e saudável” numa “segunda Madeira”.


[+] publicado na edição de 12 novembro 2024 do Açoriano Oriental

terça-feira, 29 de outubro de 2024

Equilíbrio(s)

Após o crescimento exponencial da actividade turística, nos anos seguintes à pandemia, o relatório do Fundo Monetário Internacional (FMI), sobre Portugal, revela que o peso do turismo no total da criação de riqueza do país tenderá a diminuir (até 2029).

A principal razão para esta trajectória, reside no abrandamento da economia global, com inevitáveis repercussões nos principais mercados emissores. O turismo é, neste momento, o garante do excedente na balança comercial (em comparação com a exportação de bens), fazendo com que qualquer perturbação externa tenha um forte impacto na cadeia de valor.

Não obstante estas previsões, os dados da Associação da Hotelaria de Portugal (AHP), no período entre junho e setembro, deste ano, sinalizam uma taxa de ocupação média de 81% (nos Açores e Madeira o valor chegou aos 91%, com um subsequente aumento nas receitas e na duração das estadas).

Os indicadores são promissores, mas ao passo que a época alta já não constitui um desafio na pressão pela procura pelo destino (Açores), cuja promoção tem de ser continuadamente trabalhada, a sazonalidade turística é o desafio que, de momento, importa mitigar.

Tal como referido, recentemente, pelo representante da Associação do Alojamento Local dos Açores, “torna-se urgente assegurar um fluxo turístico contínuo ao longo de todo o ano, sendo, no entanto, necessário um maior investimento e planeamento antecipado, para que todas as ilhas possam beneficiar de forma justa e equilibrada, através de uma distribuição de fluxos turísticos mais cuidada”.

A distribuição equitativa dos fluxos turísticos por todas as ilhas é algo pelo qual devemos pugnar, sabendo de antemão que as condições de acolhimento (oferta de alojamento, restauração, animação turística, viaturas de aluguer, transportes públicos), em todas elas, diferem consideravelmente.

Para além do mais, importaria saber qual a receptividade dos residentes ao incremento da actividade turística, na medida em que é necessária uma disponibilidade acrescida de quem trabalha, nesta área, sobretudo, quando se trata do tempo de lazer (ou de férias) de quem nos bate à porta. E isto, como sabemos, não é óbvio.

O crescimento do turismo no arquipélago é fruto do investimento na notoriedade externa, da melhoria transversal na oferta e da complementaridade dos serviços, em que a natureza foi, e continua a ser, o nosso melhor cartão de visita, aproveitando uma tendência crescente pela procura de locais alternativos (ao turismo de massas), nomeadamente, no turismo de natureza, e como fuga aos locais instituídos e aos roteiros obrigatórios.

Em The Tourist Gaze (1990), John Urry introduz o conceito “tourist gaze”, o qual explora a forma como os turistas olham e interagem com os destinos que visitam.

Para Urry, a democratização do turismo, embora possa conter aspectos positivos, levanta um conjunto de questões e de ambiguidades, na medida em que a expansão da actividade turística poderá conduzir à homogeneização e ao consumo das experiências de forma padronizada, reduzindo a autenticidade dos locais e transformando-os em produtos (indiferenciados) para atender à crescente procura. 

O equilíbrio que procuramos balança, de forma ténue, na intermediação de interesses aparentemente antagónicos, e de diferentes percepções sobre o que significa um crescimento sustentável, sujeito a posições erróneas e que podem gerar equívocos sobre aquilo que queremos ser.

Quando afirmamos que não somos, nem queremos ser um destino de massas, estamos a dizer exactamente o quê?


[+] publicado na edição de 29 outubro 2024 do Açoriano Oriental

terça-feira, 15 de outubro de 2024

Contraciclo

A produção de electricidade a partir de fontes de energia renovável na ilha de São Miguel, e nos Açores, tem sido um desígnio alimentado nas últimas duas décadas, com o objetivo de reduzir a dependência de combustíveis fósseis, garantir a independência energética, na medida do que é possível e, concomitantemente, diminuir as emissões de carbono.

No período pós-COVID19, assistimos ao aumento exponencial do consumo energético, sobretudo, por intermédio de novas construções e da reabilitação urbana, maioritariamente, no sector turístico, da proliferação de equipamentos de climatização (que visam dar resposta ao crescente aumento da temperatura), por períodos cada vez mais alargados, e da intensificação de electrificação automóvel (e transportes), os quais constituem-se como novos desafios à produção de electricidade renovável (e não só). 

Este cenário levanta, inevitavelmente, questões sobre a capacidade do sistema eléctrico da ilha em acompanhar o crescimento da procura de energia, sem comprometer os objetivos de sustentabilidade.

As nossas principais fontes de energia renovável (valores anuais acumulados no período homólogo: setembro 2024/2014, dados EDA) são a geotermia (35,3%: 2024, que contrastam com os 43,7% de 2014), a hídrica (5,2%: 2024, 5,5%: 2014) e, em menor escala, a eólica (3%: 2024, 5,1% em 2014). 

Nos Açores, tal como no resto do país, as políticas públicas têm incentivado a aquisição de veículos elétricos através de subsídios e benefícios fiscais. No entanto, a produção de electricidade enfrenta múltiplas limitações, uma vez que, apesar da aposta em fontes renováveis, uma parte significativa da eletricidade continua a ser gerada, como já vimos, por centrais térmicas a partir de combustíveis fósseis (em São Miguel o valor é superior em 10% ao que era produzido há uma década).

A necessidade de descarbonização é um objectivo fundamental nas políticas para a transição energética, mas no ponto em que estamos, este desiderato comporta uma enorme contradição, na medida em que o incentivo à aquisição de veículos elétricos conduz à redução da dependência dos combustíveis fósseis, mas a eletricidade que os alimenta é, ainda, em grande medida, produzida por fontes não renováveis.

Apesar disto, não podemos ignorar que a insularidade impõe barreiras logísticas e económicas que tornam mais exigente a implementação de novos sistemas energéticos. 

Os condicionalismos na expansão da produção de energia renovável, em particular, da geotermia, na ilha de São Miguel, são sobejamente conhecidos, as barreiras geográficas (e a impossibilidade de interligação com outras redes eléctricas), os relacionados com as limitações tecnológicas (na variabilidade entre a produção e a procura, entre as horas de pico e vazio e a impossibilidade do seu armazenamento), e as inerentes dificuldades e custos operacionais da sua exploração. Contudo, devemos estar mais focados nas soluções, e menos nos problemas e na justificação do nosso atraso. 

A Estratégia Açoriana para a Energia 2030 (publicada em dezembro de 2022) prevê, até 2030, uma meta relativamente ambiciosa, produzir 70% de eletricidade renovável pelo aumento do rácio de produção de eletricidade a partir de fontes de energia renovável (recordo que o valor nacional é de 80% e que a região previa, em 2015, que fosse possível alcançar os 78% em São Miguel).

Neste dado momento, os indicadores apontam em sentido contrário (e em contraciclo com tudo aquilo que é defendido individual e colectivamente), pelo que será determinante retomar o caminho certo (para não ser lido como greenwashing), o do investimento continuado no incremento da produção de energia renovável. 


[+] publicado na edição de 15 outubro 2024 do Açoriano Oriental

sexta-feira, 4 de outubro de 2024

Erro(s)

Nos últimos anos, Ponta Delgada tem assistido ao aumento exponencial do número de turistas que aportam à cidade (e à ilha). Este crescimento tem representado, cumulativamente, um acréscimo na circulação de automóveis nas nossas ruas.

O fluxo diário de milhares de carros, em ruas estreitas e com falta de estacionamento, somada às frotas de veículos de aluguer tem conduzido ao aumento nos tempos de deslocação, de acidentes e à irritabilidade, quer de residentes, quer de visitantes.

Uma possível solução passará por incentivar o uso de transportes públicos mais eficientes e, a fundamental e necessária, criação de parques de estacionamento periféricos com transporte público (preferencialmente, gratuito ou a preços acessíveis), sem fazer convergir mais trânsito para o centro. Nesta medida, a intenção de construir um novo parque subterrâneo, em Ponta Delgada, é um erro e um paradoxo.

O incremento da actividade turística, passou a ser essencial para a economia local, mas comporta desafios que a cidade tem de saber enfrentar e dar resposta. Os erros (do presente), como já vimos, em particular, na renovação do Mercado da Graça, pagam-se caro (no futuro)!


[+] publicado na edição de 04 outubro 2024 do Açoriano Oriental

sábado, 28 de setembro de 2024

Açores: o papel da Cultura (no Novo Futuro)













Por motivos de força maior não estou presente no 19º Congresso do Partido Socialista dos Açores, a par com outros camaradas apresentamos uma moção que aponta o papel que ambicionamos para a Cultura na região. Para conferir no link.

sexta-feira, 20 de setembro de 2024

Pantone

O parlamento regional aprovou na semana passada uma proposta de resolução que visa uniformizar a legislação nacional no que concerne à cor dos táxis, passando do bege para o verde e preto, recuperando as cores que existiram até 1999.

Confrontado com esta evidência, questiono, se não teria sido pertinente inovar, realizando, por exemplo, um concurso de ideias, ou assumindo, uma identidade com a marca Açores?

Perante o incremento exponencial da actividade turística na região, será esta mudança de pantone o contributo que faltava, sobretudo, com os desafios e constrangimentos existentes na mobilidade e na desadequada oferta de transportes públicos?

Ao invés disto, até como forma de aumentar a nossa notoriedade perante o perfil do visitante, deveríamos concentrar os nossos esforços em pontos de equilíbrio, nomeadamente, na complementaridade de uma parceria entre táxis tradicionais e o transporte de passageiros em veículo descaracterizado a partir de plataforma eletrónica (TVDE), adoptando um modelo em todo semelhante a muitas cidades mundiais, através do qual os dois modelos coexistem, funcionando em conjunto ou independentemente, assumindo o condutor aquele que for mais vantajoso.

No final, ganhariam(os) todos.


[+] publicado na edição de 20 setembro 2024 do Açoriano Oriental

quinta-feira, 19 de setembro de 2024

Para bom entendedor, meia palavra basta

 

Para ler na íntegra a entrevista do Açoriano Oriental ao Professor Eduardo Paz Ferreira. 

sexta-feira, 6 de setembro de 2024

20 anos









Ninguém questiona o facto de existirem, actualmente, duas salas de espectáculo a funcionar em pleno, com equipas e programação regular e atempada. Em grande parte da década de 90, e no início dos anos 00, Ponta Delgada era uma cidade muito diferente daquela que hoje conhecemos.

Os videoclubes (o aluguer de filmes em formato VHS) que proliferavam no final dos anos 80 e início da década de 90 (hoje as novas gerações não sabem do que estamos a falar) ditaram o encerramento da exploração comercial de cinema nas maiores salas da cidade, nomeadamente, Coliseu e Teatro, e com isso o declínio e degradação de ambos os espaços que conduziram, posteriormente, à sua recuperação pelo município e governo, respectivamente.

Ao passarem 20 anos do investimento na reabertura do Teatro Micaelense, a 5 setembro de 2004, é tempo de lembrar o contributo, a centralidade e a importância que os espaços culturais assumem na melhoria da qualidade de vida das comunidades onde se inserem, na exacta medida em que "a cultura não existe para enfeitar a vida, mas sim para a transformar, para que o homem possa construir e construir-se em consciência, em verdade e liberdade, e em justiça.” (Sophia de Mello Breyner Andresen, em 1975, perante a Assembleia Constituinte, para a qual fora eleita).


[+] publicado na edição de 06 setembro 2024 do Açoriano Oriental

sexta-feira, 16 de agosto de 2024

Aviso amarelo

O Programa Regional para as Alterações Climáticas (PRAC) foi aprovado em 2019 (Decreto Legislativo Regional nº 30/2019/A), sendo que o seu 1º relatório de monitorização é de dezembro de 2022, onde se pode ler que 9% das medidas estão implementadas, 52% estão em implementação e 39% não foram implementadas.

O IPMA emitiu esta semana, pela primeira vez, um aviso amarelo para o arquipélago devido a temperaturas elevadas.

As alterações climáticas não são coisa do futuro, os efeitos são uma realidade do presente, que nos deve convocar a adoptar medidas preventivas na mitigação dos fortes impactos ambientais, em particular, em territórios frágeis e vulneráveis como o nosso.

Complementarmente ao estudo científico das alterações climáticas, devemos querer liderar o exemplo quanto ao caminho a seguir, ao contrário do que defendeu, paradoxalmente, um membro do governo regional, ao afirmar que a resposta à emergência climática não pode travar o desenvolvimento dos Açores (!).

Os sinais são por demais evidentes, é mais que tempo de passarmos do plano à acção.

PS: “O Calor É Que Te Vai Matar” de Jeff Goodell (Ed. Lua de Papel) é a minha sugestão de leitura para evitar continuar a “ignorar o óbvio”.


[+] publicado na edição de 16 agosto 2024 do Açoriano Oriental

segunda-feira, 29 de julho de 2024

Inebriados

O que é que Barcelona, as ilhas Baleares e Sintra têm em comum? Aparentemente nada, substantivamente tudo.

Assistimos, nestes três locais, a protestos distintos, mas cuja matriz é similar: motiva-os o turismo excessivo e a consequente perda de qualidade de vida dos residentes destas cidades (e regiões).

Nos Açores, afirmamos não querer ser um destino turístico massificado, mas a nossa acção colectiva aponta em sentido contrário.

Apesar da distância a que nos encontramos, os efeitos da intensificação da actividade turística já se fazem sentir e nem os conseguimos ignorar, sejam eles no congestionamento do trânsito (e da presença do número exponencial de carros de aluguer), ou no aumento do custo de vida, em particular, na habitação.

Nada tenho contra o turismo, nem contra quem dele vive, bem pelo contrário.

O que importa ressalvar é que a gestão do espaço (e do interesse) público não se faz por osmose; implica discussão e planeamento, fugindo à simplificação de toda a política pública (local e regional), que tem por justificação o turista e não o residente.

Fluímos ao sabor da maré (cheia), inebriados por uma ilusão momentânea.


[+] publicado na edição de 26 julho 2024 do Açoriano Oriental

sexta-feira, 12 de julho de 2024

CulturAçores

A revista “CulturAçores – Revista de Cultura” comemora, este ano, 10 anos com a publicação da sua 15ª edição e de um caderno especial com a recolha de múltiplos testemunhos sobre o “Pensar a Cultura d(n)os Açores.”

Este tem sido um espaço de divulgação privilegiado dos serviços externos da Direcção Regional da Cultura e das entidades com as quais colabora, evidenciando o importante trabalho desenvolvido por técnicos e especialistas, nem sempre reconhecido, e vezes demais, não nas melhores condições, materiais e financeiras.

No espaço de uma década assistimos a um conjunto impressivo de alterações na dinâmica artística e organizacional dos agentes criativos e culturais do arquipélago.

Contudo, há questões que não perdem actualidade, nomeadamente, aquelas que significam incremento orçamental, objectivos estratégicos e uma visão de futuro (que não implique pensar a cultura como um bibelot ou a guardiã das tradições e do património).

No estado (actual) das coisas, a geografia (cultural) da(s) ilha(s) passou a ser a que nós lhe quisermos (saber) dar.

PS: A propósito da intenção da JSD em criar a marca “Cultura Açores”, informa-se que a mesma está registada desde Abril de 2011, pela Região, com o nº 478805.

[+] publicado na edição de 12 julho 2024 do Açoriano Oriental

sábado, 6 de julho de 2024

Insólito

Exemplo concreto (e insólito) de uma região assimétrica. Este anúncio foi publicado hoje no Diário Insular. Em São Miguel, como em todas as outras ilhas, procura-se quem procure mas tem sido difícil...encontrar.

sábado, 22 de junho de 2024

Impacto (futuro)

Os actuais movimentos migratórios foram tema para um debate recente, alicerçado nos anseios dos que nos procuram e nos receios de quem acolhe.

A deriva securitária que assola as democracias ocidentais face aos “novos invasores” é campo fértil para quem visa capitalizar dividendos políticos, no exacerbar de posições conservadoras, identitárias e populistas.

No passado domingo, o jornal Público publicou uma reportagem sobre os efeitos da redução do Rendimento Social de Inserção (RSI) e o aumento dos indicadores de desigualdade no arquipélago. Segundo o INE, os Açores são a região mais desigual do país e foram a única zona, a par com Lisboa, onde a pobreza se agravou entre 2021 e 2022.

Estes dois assuntos, aparentemente distintos, estão intimamente interligados, porquanto nos convocam para a importância de bem acolher quem aqui chega de novo, sem negligenciar (menosprezar ou depreciar) os que menos têm e que aqui residem, como não poucas vezes acontece.

Independentemente do nosso lado da barricada, importa promover, entre nós, a discussão e a reflexão públicas, com impacto futuro, de temas do presente.

[+] publicado na edição de 21 junho 2024 do Açoriano Oriental

terça-feira, 18 de junho de 2024

Pobreza: quatro anos depois, os relatos de quem vivia do RSI













Leituras destes dias: "Nos Açores, contudo, o aumento da pobreza e a diminuição do RSI podem estar relacionados com os critérios do próprio apoio e com a forma como é atribuído, segundo Fernando Diogo. O coordenador do estudo A Pobreza em Portugal: Trajetos e Quotidianos, da Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS), lembra que o RSI “não é para as pessoas em situação de pobreza”, uma expressão que pode parecer inesperada, mas que se explica pelo universo limitado de indivíduos a quem se dirige o subsídio. “O RSI é só para os mais pobres entre os pobres. A maior parte das pessoas em situação de pobreza não tem direito ao RSI, quer no país em geral, quer nos Açores em particular” (...) O também professor da Universidade dos Açores faz a ressalva de que a extensão da cobertura da acção social nos Açores dificilmente deixa escapar alguém que tenha direito ao RSI, ao contrário do que acontece em outras regiões, mas também levanta uma hipótese para a redução do número de beneficiários relacionada com a “margem de manobra” que a lei permite. “No caso dos Açores, o que pode ajudar a explicar a pobreza a aumentar e o RSI a diminuir também pode ter a ver com uma interpretação mais restritiva da lei”. (...) Para a inserção é preciso travar outra batalha. O professor universitário mostra-se “céptico” em relação à formação do Instituto do Emprego e Formação Profissional, que muitas vezes não procura ajustar a oferta aos formandos. Fernando Diogo evoca um exemplo citado no estudo da FFMS em que um imigrante angolano de 55 anos, trabalhador de construção civil, foi obrigado a frequentar um curso de corte e costura. “Faz-se a formação porque é preciso executar verbas europeias e apresentar resultados."

terça-feira, 11 de junho de 2024

Atlântico (europeu)

A Europa vive um dos momentos mais tensos da sua história, no ano em que se comemoram 80 anos do dia D, que ditou o fim da 2.ª Guerra Mundial e de um dos episódios mais negros da humanidade.

Os desafios gerados pela invasão da Ucrânia não constituem uma oportunidade (palavra que devia ser banida do léxico político), mas sim uma necessidade de afirmação da união do projecto europeu em torno de uma (forte) política externa comum.

A campanha eleitoral para as eleições europeias, que se realizam no próximo domingo, termina esta sexta-feira, preenchida por simulacros em forma de candidatos, plena de ruído (mediático) e de assuntos (locais), que nada têm a ver com o que está em jogo.

Nos últimos 5 anos, a região ficou sem a sua representação parlamentar na Europa, devido ao infortúnio causado pela morte precoce de André Bradford, um dos melhores activos políticos e intelectuais que os Açores conheceram (e que muito falta faz no presente).

Para o próximo ciclo político, só um partido dá o devido destaque aos interesses da região, colocando-os à frente dos interesses partidários, pelo que voltaremos (expectavelmente) a ter uma voz na defesa intransigente do atlântico europeu.

[+] publicado na edição de 7 junho 2024 do Açoriano Oriental

domingo, 2 de junho de 2024

Vamos trocar umas ideias sobre o assunto…

A editora Artes e Letras Artes e Letras lançou a 2 de maio, na livraria Solmar livraria Solmar, em Ponta Delgada, o nº 5 da “Avenida Marginal”.

Nessa quinta-feira, à mesma hora, aconteciam, várias iniciativas culturais. O problema não é que ocorram todas em simultâneo, esta é uma questão antiga, mas não será a fundamental. O que importa expor é que somos (demasiado poucos), e vezes demais, sempre os mesmos.

Este será, provavelmente, um dos maiores desafios do presente, agravado na pandemia, a necessidade de renovação dos públicos da Cultura. Em particular, nas áreas artísticas tradicionais, face aos desafios gerados pelos novos formatos, especialmente, os digitais, e no impacto gerado junto dos mais novos. Um problema que nos deve convocar a encontrar soluções que permitam uma salutar coexistência (e complementaridade).

Apesar disto, assistimos, paralelamente, ao revivalismo (artístico e comercial) em torno dos formatos ‘analógicos’, no ressurgimento do vinil, das K7s e até mesmo dos CDs, no caso da música, do VHS no cinema (ou nas artes visuais), tanto como apropriação cultural, simples inspiração ou numa abordagem a referências que possibilitem outras (re)leituras.

Em Portugal, por exemplo, no circuito das livrarias independentes, as quais têm contribuído para uma maior diversidade (de propostas e conteúdos) no panorama editorial português, existe um fenómeno crescente da actividade alfarrabista, no dar uma nova vida aos livros usados, nomeadamente, na procura por edições de livros que já não estão disponíveis no mercado editorial e que agora são motivo de interesse por parte de outras gerações.

Os mais novos chegam aos livros, sobretudo, através das redes sociais (e das suas celebridades), os chamados ‘influencers’, em particular, no TikTok (materializado pelo fenómeno viral dos booktokers), contribuindo para o aumento exponencial da venda de livros por todo o mundo.

No estudo “Mercado do Livro e Hábitos de Compra em Portugal”, apresentado em 2023, pela Associação Portuguesa de Editores e Livreiros (APEL), ficamos a saber que menos de dois terços dos portugueses compraram livros e que são os jovens quem está a impulsionar as vendas no nosso país, na medida em que os inquiridos, entre os 15 e os 34 anos, já representam 28% do total do mercado. No entanto, Portugal mantém-se como o país que, na Europa, menos lê.

Outro dado que me parece particularmente relevante tem a ver com os pontos de venda dos livros, na medida em que 70% dos livros são, ainda, e felizmente, vendidos em livrarias, mas os hipermercados já ocupam 30% desta cota (sendo que em algumas ilhas do arquipélago só encontramos livros em espaços indiferenciados).

Existem dados desagregados para os Açores (em que as livrarias são uma espécie rara ou em vias de extinção)?

Neste domínio, faltam elementos concretos sobre o sector do livro, tal como faltam para outras áreas artísticas, dados que ajudariam a sistematizar estratégias e políticas culturais.

Esta questão carece de reflexão e merece ser profusamente discutida, envolvendo vários intervenientes, da Educação à Cultura, na medida em que o livro enfrenta desafios muito relevantes que requerem diálogo, discussão e conhecimento.

Outro aspecto que não pode ser descurado é facto de o “consumo cultural ser socialmente estratificado” (ICS, 2020), na medida em que os hábitos de lazer e de consumo de produtos culturais não estão dissociados dos níveis socioeconómicos e de escolaridade.

Neste cenário, o que leva alguém a querer fundar uma editora? É antes de tudo, um acto de enorme coragem e arrojo, especialmente, numa escala como a nossa, onde por vezes parecem existir mais escritores que leitores. Digo isto com todo o respeito, mas os autores (artistas) não podem ser tratados todos por igual, nem é possível comparar o que não é comparável. Não raras vezes, tendemos a balizar tudo pela mesma bitola.

Este não é um problema exclusivo da literatura. Esta é uma problemática que se coloca nas artes visuais, nas artes performativas ou na música. Nos Açores, o caminho de futuro para a Cultura é o da profissionalização (não vale a pena ignorá-lo).

Em regiões como a nossa, a descontinuidade geográfica e os custos agravados pelos transportes (distribuição e logística), aumentam as assimetrias no acesso a bens e a serviços essenciais, relegando, inexoravelmente, a cultura para uma posição secundária, onde a democratização cultural é determinada pelo estatuto social (status), tenazmente agravada pelos índices sociais que detemos.

Importa alterar este estado de coisas, a começar por colocar a educação “no centro das políticas culturais” (Paulo Pires do Vale). Neste sentido, o cheque-livro apresentado pelo Governo da República, agora secundado pelo Governo Regional, é um caminho para o incentivo ao contacto com os livros e com as livrarias.

A par disto importa garantir um conjunto de outras medidas que aproximem a comunidade literária, e as instituições culturais, da população, com iniciativas de mediação para a leitura e para a promoção do livro.

Em termos legislativos, urge rever os apoios à edição e os objectivos das políticas públicas. Não faz sentido apoiar o livro se depois falhamos em toda a restante cadeia de valor, temos o produto, mas não temos distribuição (regional e nacional), nem promovemos, eficazmente, o acesso à leitura.

A região tem que dar o exemplo, investindo nas suas instituições públicas, ano após ano, para que possam prestar o papel que delas se exige, nomeadamente, pela actualização permanente de conteúdos, em particular, das bibliotecas públicas e escolares, no combate incessante aos baixos índices de leitura e literacia.

E não menos importante, promover uma profunda reflexão sobre a necessidade de existir um Plano Regional de Leitura ou, se em alternativa, não devemos pugnar por garantir a presença dos nossos escritores (e editores) no Plano Nacional de Leitura, com acesso a outros recursos e a mais públicos.

A “Avenida Marginal” é um contributo, e um precioso recurso, para desbravar um caminho sinuoso, cuja missão presta um verdadeiro serviço público no estímulo à inovação e na descoberta de novos nomes no ecossistema literário local.

Manter uma livraria e uma editora é hoje um acto de amor (e militância), mas sobretudo de resistência.

Uma última palavra para o impressivo trabalho do João Amado João Amado que ilustra a capa desta edição, na qual reflecte um universo fantástico e surreal (e que nos parece querer dizer que (sobre)viver nas ilhas, também, consegue ser um desafio surrealista). 

Alexandre Pascoal, maio 2024 


[+] Apresentação da Avenida Marginal nº5, 2 maio de 2024, Livraria Solmar, Ponta Delgada (texto revisto e acrescentado)

[+] publicado na edição de 02 junho 2024 do Açoriano Oriental

sexta-feira, 24 de maio de 2024

Avenida Marginal

A Avenida Marginal Avenida Marginal não é uma revista, é uma antologia ou um (pequeno grande) livro de contos, publicada, pela primeira vez, no ano anterior àquele em que o mundo parou (2019).

A editora Artes e Letras Artes e Letras (e a livraria Solmar) desempenham um papel fundamental no apoio e na promoção da cultura da cidade, dos seus autores, assumindo-se como referência (dos Açores) no todo nacional.

Este projecto editorial tem proporcionado, desde o primeiro número, um diálogo enriquecedor entre diferentes gerações de escritores e tem apresentado uma diversidade arquipelágica de autores, todos com uma ligação aos Açores, em particular, a São Miguel e a Ponta Delgada, nela: “não cabe somente uma ilha, cabe o mundo” (sintetiza Rui Pedro Paiva).

A Avenida Marginal é um contributo, e um precioso recurso, para desbravar um caminho sinuoso, cuja missão presta um verdadeiro serviço público no estímulo à inovação literária e na descoberta de novos nomes no ecossistema literário local.

Manter uma livraria e uma editora é (hoje) um acto de amor (e militância), mas sobretudo de resistência. 

[+] publicado na edição de 24 maio 2024 do Açoriano Oriental

domingo, 12 de maio de 2024

Crítico

São Miguel encontra-se numa situação sem paralelo, a ilha mais populosa do arquipélago está sem hospital público.

Não estamos a falar (apenas) de um edifício, é a estrutura de saúde de referência em qualquer plano de emergência (municipal e regional), garantindo uma multiplicidade de respostas (médicas) que se estende ao todo da região.

Os constrangimentos com o encerramento abrupto daquela unidade de saúde estão, ainda, a ser contabilizados, sendo que aqueles que necessitam de assistência continuada viram agravada a sua qualidade de vida.

Felizmente, não existem vidas a lamentar e é de louvar o empenho de todos os profissionais envolvidos no combate ao incêndio, na evacuação e no acolhimento de doentes.

Perante esta condição impensável, há quem considere a construção de um novo hospital (como se isso fosse possível realizar num curto espaço de tempo), quando o que importa garantir, neste momento, é como dar resposta à “situação absolutamente crítica do Sistema Regional de Saúde e da capacidade hospitalar fundamental e imprescindível às populações” (Guilherme Figueiredo).

O carácter crítico desta ocorrência exige celeridade e competência, sem deixar cair a responsabilidade num manto de opacidade. 

[+] publicado na edição de 10 maio 2024 do Açoriano Oriental

sexta-feira, 26 de abril de 2024

Explosão


O 25 de Abril representa uma abertura de Portugal (ao Mundo) em todas as suas dimensões. A(s) Arte(s) não foram (nem são uma) excepção. 

A importância da Revolução dos Cravos nas Artes e na Cultura é profunda e multifacetada, reflectindo-se em diversas manifestações artísticas e expressões culturais ao longo das décadas seguintes. 

A queda do regime ditatorial abriu caminho para uma renovação cultural sem precedentes. Artistas, escritores, músicos e cineastas passaram a ter liberdade para explorar temas proibidos, que subsistiam na clandestinidade, ou no exílio. 

A transição para a democracia culminou em novas possibilidades e desafios para os artistas, que passaram a explorar uma ampla plêiade de questões sociais, políticas e culturais nas suas obras (em particular no período revolucionário), constituindo-se naquilo a que José Pacheco Pereira definiu como “uma verdadeira explosão da arte gráfica.” 

Na euforia experienciada na primeira pessoa, emergiram artistas como Cruzeiro Seixas, João Cutileiro, José de Guimarães, Júlio Pomar, Mário Cesariny, Nikias Skapinakis, Paula Rego ou Vieira da Silva, assumindo um papel de intervenção, na medida em que o “ambiente revolucionário fomentou a renovação da participação cultural, num encontro fusional entre os artistas e o povo, a arte não só saiu à rua como se lhe colou às paredes” (Maria Isabel Roque). 

A Revolução de Abril simboliza não apenas a transformação do sistema político, significa a capacitação das Artes e da Cultura em Portugal, permitindo a emergência de uma expressão artística mais livre, plural e engajada com a história do país. 

Parafraseando o escritor Mário Dionísio, numa interpretação que pode e deve ser levada à letra: “sem cultura não pode haver liberdade, mas só um perigoso simulacro”. 

Alexandre Pascoal, Santa Cruz, Lagoa, Abril 2024 *

* Intervenção comunitária "Os Cravos saem à Rua" promovida pela Câmara Municipal da Lagoa (presente na Praça Nossa Senhora do Rosário)

sexta-feira, 19 de abril de 2024

Múltiplas existências

Em 2026, Ponta Delgada será palco da iniciativa CapitalPortuguesa da Cultura. Katia Guerreiro foi, esta semana, designada como comissária para liderar, entre nós, este projecto, o qual pretende afirmar-se “como um polo de atração cultural no país e no mundo”.

Neste sentido, é expectável que seja materializada a Estratégia Cultural de Ponta Delgada 2030, aprovada em dezembro de 2021, com o intuito de responder ao “diagnóstico do ecossistema cultural e criativo local”.

Na leitura das declarações (públicas) que secundaram este anúncio, parece persistir um equívoco (por parte dos decisores políticos) em torno dos objectivos e da oportunidade que esta iniciativa constitui.

Parafraseando Jesse James, a propósito do lançamento de um catálogo que celebra os 12 anos do Walk&Talk, é necessário contrariar o “desconhecimento do que é e de como funciona o setor (cultural e artístico),nas suas múltiplas existências” (Observador).

A Capital Portuguesa da Cultura não pode, nem deve ser encarada como um evento pontual, o que está (também) em causa não é (apenas) o programa mas, sim, o diálogo com toda a comunidade artística (que luta pela sua sobrevivência) e o caminho da sua consolidação (no pós-2026). 

[+] publicado na edição de 19 Abril 2024 do Açoriano Oriental

segunda-feira, 8 de abril de 2024

SMO

Por estes dias (difusos) a discussão em torno do Serviço Militar Obrigatório (suspenso há 20 anos) voltou sub-repticiamente (ou daí talvez não) à agenda mediática.

Assumir que a falta de efectivos das Forças Armadas Portuguesas se resolve com a reintrodução do SMO ou que este serve de correctivo a sectores da sociedade com comportamentos desviantes é, simplesmente, um erro e um retrocesso.

Utilizar este argumento como arremesso preventivo para a inevitabilidade de uma guerra no teatro europeu é, ainda, mais perigoso.

Não comungo de um regresso ao SMO mas não ignoro a importância da necessidade de investir, modernizar e reorganizar o exército português, sem o peso da guerra colonial, mais pequeno, mais ágil, profissional e bem equipado.

A sua missão será sempre de defesa da soberania nacional, cumprindo escrupulosamente com os nossos compromissos e alianças internacionais, mas devíamos, sobretudo, caminhar para uma vocação especializada na relação com (tant)o Mar, através de uma eficaz fiscalização e vigilância da zona económica exclusiva (e que no caso dos Açores é imperativo).

O futuro não se cumpre com soluções passadas.

[+] publicado na edição de 05 Abril 2024 do Açoriano Oriental

sexta-feira, 22 de março de 2024

Cheque-Livro

Os resultados de um inquérito sobre a avaliação da qualidade de vida dos portugueses, promovido pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), no período pós-Covid, revelaram que 58,1% dos inquiridos referiram não ter lido um livro nos últimos 12 meses, a maior parte dos quais (65,7%) por falta de interesse.

Arrisco-me a dizer que nos Açores os resultados não serão melhores, podemos até ser um “arquipélago de escritores”, edições não faltam, efectivamente, receio é que leitores, nem tanto.

As poucas livrarias que resistem, lutam pela sua sobrevivência. Para alterar este estado de coisas, importa pôr a funcionar um Plano Regional de Leitura que consiga sair do papel para a rua.

Como forma de afirmar a importância do livro, da leitura e combater a iliteracia, foi (ontem) publicada uma portaria assinada pelo Ministro da Cultura que define o regime legal para o Cheque-Livro, no valor de 20 euros para quem fez 18 anos em 2005/2006, abrangendo cerca de 200.000 jovens (em todo o país) com um investimento global de 4.4ME.

Esta é uma medida simbólica que visa, a par de outras, fazer da Cultura, parafraseando Pedro Adão e Silva, o “elevador social” deste novo século.

[+] publicado na edição de 22 março 2024 do Açoriano Oriental

sexta-feira, 8 de março de 2024

É fazer as contas

A terminar a campanha eleitoral para as legislativas, o tempo de antena da Cultura foi reduzido a uma pequena nota de rodapé, na qual, todos os partidos, quase sem excepção, garantiram aumentos (uns mais generosos do que outros) para o futuro orçamento do sector artístico e cultural. Nada de novo aqui, vamos a factos.

O caminho percorrido nestes anos de governação (do partido socialista) demonstrou quem passa das palavras aos actos, no qual foi interrompido um ciclo de irrelevância, materializado por um aumento real do orçamento (+174%) passando, em 2015, dos 189 para os 518 milhões de euros em 2024 (sem contabilizar a RTP).

As estruturas sediadas no arquipélago passaram a ter (desde 2018) acesso aos apoios nacionais promovidos pela Direção-Geral das Artes, a variação do investimento público nacional (na região) nos ciclos de apoio sustentado, entre 2018/2021 e 2023/2026, foi de 505% (€500.000 para 3.1 milhões de euros, e a soma total de todos os apoios tutelados pelo Governo da República ascendeu aos 5ME).

Nos Açores, este incremento é um exemplo incontornável e tem sido crucial para a visibilidade, profissionalização e desenvolvimento do território (e de quem nele trabalha).

É (só) fazer as contas!

[+] publicado na edição de 08 março 2024 do Açoriano Oriental

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2024

Leituras destes dias

O mundo tal como o conhecíamos escapasse-nos entre os dedos, a mudança faz-se a todos os níveis. Tal como refere Miguel Esteves Cardoso, numa das suas crónicas diárias, algumas destas paisagens (sociais, políticas e culturais) “ainda não sabem que estão a morrer” mas esta inevitabilidade já faz parte do seu quotidiano, na medida em que “todas as mortes são anunciadas” mas “nós é que não sabemos ler os anúncios.”

Por estes dias, o diálogo (político) parece acontecer de forma unilateral, num exercício de forma em que o debate não mais é do que “uma batalha verbal” (Mariano Sigman) perene de (pre)conceitos, mentira(s) e pouca noção do real.

Nesta era da exacerbação niilista (de egos e de extremos), as redes sociais representam um papel primordial, porquanto enfurecem e inflamam as pessoas, fazendo com que sejamos “cada vez menos capazes de nos ouvirmos uns aos outros” (Michael Sandel).

A somar a tudo isto há quem intente “passar a mentira por verdade ou difame a verdade como mentira” (Byung-Chul Han).

Estes serão, muito provavelmente, alguns dos problemas mais urgentes com que a democracia está confrontada. Eles andam por aí…e alguns por aqui.

[+] publicado na edição de 23 fevereiro 2024 do Açoriano Oriental

sábado, 10 de fevereiro de 2024

Ambivalentes

O ruído noticioso (e falacioso) contamina tudo e todos, com particular disseminação nas redes sociais, conduzindo a uma maior polarização da sociedade, a um sentimento de desesperança e ao descontentamento generalizado. Território fértil para os populistas.  

A integridade e a ética não podem ser úteis apenas quando nos são favoráveis. Parte do descrédito associado aos políticos (da actualidade) deriva das suas posições ambivalentes.

As investigações criminais insulares (recentes) são, a este respeito, um bom exemplo de como o entendimento partidário acaba por exigir uma coisa em território continental e defender o inverso quando se trata de um membro da nossa família política.

Ao contrário dos que defendem (irresponsavelmente) a generalização da corrupção (que mais não é um reflexo do que somos como sociedade), há que aplaudir as investigações judiciais e o maior escrutínio da gestão da coisa pública.

Existirá, igualmente, quem considere que o ministério público não respeita o calendário político. Em que medida será ele, alguma vez que seja, oportuno? E, neste âmbito, qual a leitura (política) às recomendações do Tribunal de Contas no rescaldo eleitoral (nos Açores)?

[+] publicado na edição de 9 fevereiro 2024 do Açoriano Oriental

terça-feira, 30 de janeiro de 2024

Responsabilidade

Estes três anos de (des)governo da coligação de direita (de)mostraram a falta de competência de quem tem dirigido os destinos dos Açores.

A comprová-lo estão os números e indicadores de inúmeros organismos insuspeitos, os alertas de académicos, empresas e instituições, mas sobretudo a realidade com que somos confrontados quotidianamente nas ruas das nossas vilas e cidades.

A 10 dias das eleições não se conhece o programa eleitoral da coligação. Nas palavras do filósofo José Gil, a escrita é um “instrumento essencial de poder” e esta será, apenas, mais uma prova da normalização do desrespeito pelo acto eleitoral, pelas instituições e, em última instância, pelos eleitores.

Nesta campanha eleitoral há quem evite o debate de ideias (se as detivermos, evidentemente), apenas releve o ruído, as meias-verdades e o incitamento ao ódio (pelos mais frágeis).

Vasco Cordeiro é a única personalidade com a capacidade de liderar o futuro com responsabilidade, sem ingerências e um discurso titubeante, assumindo (frontalmente) compromissos concretos para o desenvolvimento dos Açores. O Presidente de Confiança!

[+] publicado na edição de 26 janeiro 2024 do Açoriano Oriental

sexta-feira, 12 de janeiro de 2024

Verdade










Nos últimos 15 anos estas ilhas foram dotadas de espaços de fruição propícios ao melhor desenvolvimento da produção e da criação cultural.

Acredito que o futuro passa, inexoravelmente, pela criação de um percurso profissionalizante para as instituições (e criadores regionais) e por garantir a circulação, dentro e fora de portas, da Cultura que aqui se faz. Fazer crescer cultural e socialmente uma comunidade requer investimento e continuidade num trabalho em parceria, na partilha e na prossecução de objectivos comuns.

No encontro promovido, esta semana, pelo Partido Socialista, com um grupo de agentes e artistas açorianos, ficou evidente o compromisso de Vasco Cordeiro, no estabelecimento de uma relação de confiança e que fale verdade com e para o sector cultural e criativo.

Nas palavras de Nicholas Serota (ex-director da TATE e presidente do Arts Council England), “o Estado tem a responsabilidade de investir no futuro, o que quer dizer gastar dinheiro no presente.”

Os desafios são mais que muitos. É essencial pensar a cultura como desenvolvimento estratégico, um investimento e não como um gasto supérfluo.

 [+] publicado na edição de 12 janeiro 2024 do Açoriano Oriental